terça-feira, 10 de abril de 2012

Resenha do livro “Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”



 Mariátegui:
 Um ícone do Pensamento Social Latino Americano.

José Carlos Mariátegui resume neste livro, sete ensaios que já havia escrito e publicado na revista Amauta, a mais importante da história peruana, sobre alguns aspectos da realidade peruana. Dos sete ensaios, Mariátegui consagrou três ao esquema da evolução econômica, o problema do índio e o problema da terra. Nos quatro restantes, abriu um processo, no sentido jurídico, de iniciar um julgamento da educação publica, da instituição da igreja católica, do centralismo de Lima e da literatura peruana. E o ponto crucial desses sete ensaios é a implacável crítica que Mariátegui faz os dirigentes políticos e aos intelectuais que tinham os olhos voltados para Madri, Paris e Nova York e não entendiam nada do que acontecia no Peru. Nesta resenha, nos dedicaremos aos dois primeiros capítulos da obra: esquema da evolução econômica e o problema do índio.
Mariátegui desenvolve o esquema da evolução econômica em cinco tópicos: a economia colonial, as bases econômicas da republica, o período do guano e do salitre, caráter da nossa economia atual e economia agrária e latifundismo feudal. De acordo com Mariátegui, havia um bem estar na economia peruana antes da chegada dos conquistadores. Segundo ele, há relatos históricos que no império dos Incas as subsistências eram abundantes e o povo crescia em paz, tirando todo proveito social, valorizando o território e construindo caminhos e canais. Entretanto os conquistadores espanhóis destruíram essa formidável máquina de produção. Só se preocuparam em distribuir entre si as terras e os homens que ali habitavam. O império espanhol consistiu apenas em um empreendimento militar e eclesiástico, desembarcaram na colônia apenas os vice-reis, aventureiros e os soldados. A economia colonial consistia quase que exclusivamente na exploração do ouro e da prata peruana.
A segunda fase dessa economia surge com a independência ainda que a economia parecesse dominada por esse processo. Para Mariátegui, as idéias da revolução francesa encontraram um ambiente mais favorável na América do Sul, pois já havia uma burguesia que tinha necessidades e interesses econômicos e que por isso podia ser contagiada pelo ideal revolucionário da burguesia européia. A política da Espanha de monopolizar o comércio nas colônias era um grande obstáculo ao desenvolvimento econômico, mas o próprio impulso natural da colônia desejava emancipar-se do pensamento medieval do rei da Espanha. E assim surgiu o fator histórico da revolução da independência Sul-americana, movida pelos interesses da população criolla e não pelos desejos da população indígena. O império espanhol refluía por repousar em bases militares e políticas e por representar uma economia atrasadas. As colônias tinham apetite por coisas novas e praticas, mas os espanhóis só podiam abastecer suas colônias com cléricos e doutores nobres. Surgiu então um interesse mútuo entre as economias das colônias espanholas e do Ocidente capitalista e tão logo conseguiram a independência essas colônias buscaram no trafego com o capital e a indústria do Ocidente os elementos para o aumento de suas economias. E os países mais favorecidos por esse trafego foram o Brasil e a Argentina, ambos por sua localização privilegiada de maior proximidade com a Europa, enquanto que nas outras regiões da América do Sul o desenvolvimento era impedido pelos resíduos do feudalismo. Assim o processo histórico do Peru inicia uma desvincula ao do processo histórico dos outros povos da América do Sul. O Peru esta muito distante da Europa, por isso, os barcos europeus tinham que fazer longas trajetórias ara alimentar as trocas, dessa maneira o Peru se tornou um comerciante mais próximo do Oriente do que da Europa, e esse comércio se tornou considerável. Mas segundo Mariátegui, o Peru que emergiu da conquista, apoiado na independência, necessitava aqui dos métodos e do jeito de pensar da Europa.
A economia peruana passa por um bom momento após o Descobrimento da riqueza do guano e do salitre, dois nitratos que tem grande aplicação como fertilizantes. Enquanto a Espanha usava a colônia como fonte de ouro e prata, a Inglaterra passou a explorar a região atrás de matérias menos preciosas como o guano e o salitre. A queda no interesse pelo ouro, muito em função da exploração na Califórnia, e a crescente demanda industrial por guano e salitre na região do pacifico, fez a exploração aumentar. Enquanto que para se obter ouro, prata e carvão era necessário se aventurar pelas montanhas do Peru, a obtenção de guano e salitre era bem fácil, sendo em abundância nas regiões costeiras o que fez a exploração desse recurso dominar todas as outras manifestações da vida econômica do pais. O guano e o salitre criaram um comércio ativo com o mundo ocidental numa época em que o Peru, mal situado geograficamente, não dispunha de grandes meios para atrair seu solo às correntes colonizadoras e civilizadoras. Os lucros dessa exploração criaram os primeiros elementos sólidos do capital comercial e bancário. Formou-se no Peru, uma burguesia enraizada e confundida pela estrutura aristocrática, formados por latifundiários que eram forçados a adotar os princípios fundamentais das políticas liberais. Segundo Mariátegui, a exploração desse recurso revelou tragicamente o perigo de uma prosperidade econômica baseada na exploração de recursos naturais por algum estrangeiro. Segundo Mariátegui, se esse período fosse passado de uma forma mais orgânica, pensando nas conseqüências, poderia ter sido mais seguro e as perdas do pós-guerra não teriam provocado um colapso no sistema produtivo.
A derrota na Guerra do Pacifico, significou para a economia peruana a paralisação das nascentes forcas produtivas, a desvalorização da moeda nacional e a ruína do credito externo. As etapas fundamentais desse capítulo em que a economia peruana se organizou lentamente sobre bases menos férteis, porém mais firmes que as do guano e do salitre, podem ser esquematizados por alguns fatos como: o surgimento das indústrias modernas, a formação de um proletariado industrial, o surgimento dos bancos, o aumento do comércio alavancado pela construção do Canal do Panamá, a superação do poder britânico pelo poder estadunidense, pelo desenvolvimento de uma classe capitalista, pela temporária extração da borracha, pela subida dos preços dos produtos peruanos e pela política de empréstimos. Segundo Mariátegui, esses foram os principais aspectos da evolução da economia peruana no período pós-guerra. Lembrando que esse ensaio foi publicado no inicio do século xx, Mariátegui afirma que no Peru coexistem três economias diferentes: feudal, nascido da conquista, na serra alguns indícios da economia comunista indígena e na costa a economia burguesa que dá a impressão de ser uma economia retardada.
E finalizando esse primeiro capítulo, Mariátegui descreve a economia agrária e o latifundismo feudal. Mesmo com o incremento da mineração, o Peru se mantêm como um país agrícola, prova disso é que os índios representam 5/4 da população peruana e a comunidade indígena é essencialmente uma comunidade agricultora tradicional. Confirmando essa informação, tem se que o número de trabalhadores que a mineração emprega representa algo em torno de apenas 28mil funcionários, algo que se repete com a indústria manufatureira. Segundo Mariátegui, a classe latifundiária não conseguiu se transformar em uma burguesia capitalista. A mineração, o comércio e os transportes encontram-se nas mãos de estrangeiros e os latifundiários se contentaram em servir de intermediários. E este sistema econômico que se manteve como uma organização semifeudal, acabou sendo a maior dificuldade para o desenvolvimento do país.
Na costa peruana quase não existe aldeias, porque o feudo ainda subsiste. O balanço de anos de desenvolvimento capitalista se resume em dois fatos notórios: a concentração da indústria açucareira na região em duas grandes centrais, a da Cartavio e a de Casa Grande, ambas estrangeiras; a absorção das empresas nacionais portadas duas empresas; o monopólio do comércio de importação, por essa mesma empresa; a decadência da cidade de Trujillo e a liquidação da maioria das empresas importadoras. No Peru, contra o sentido da emancipação republicana, se encarregou ao espírito do feudo, antítese e negação do espírito do burgo, a criação de uma economia capitalista.
Já no segundo capítulo, Mariátegui desenvolve uma serie de fatos que deixam bem claro sua posição defensora dos índios. Para ele a questão do índio começa no regime de propriedade da terra. Neste ensaio, ele descreve como funcionava efetivamente o feudalismo dos gomonales, que invalidava toda lei de proteção aos índios. O termo gamonalismo não designa apenas uma categoria social e econômica; a dos latifundiários em si, dos grandes proprietários de terras agrícolas, compreende todo um fenômeno de hierarquia de funcionários intermediários, agentes, parasitas, etc, onde o fator hegemonia da grande propriedade semifeudal.
 Esses fazendeiros, latifundiários, não respeitavam as leis e mantinham uma dominação total dos índios, que chegavam a trabalhar gratuitamente e ate em regime de escravidão. Mariátegui usa diversas frases do intelectual Gonzalez Prada, que na literatura peruana foi o precursor da transição do período colonial para o período cosmopolita, sempre engrandecendo a forca do índio, que seria a verdadeira nação peruana. Segundo Prada, nada muda tão radicalmente a psicologia do homem quanto a perda da sua propriedade, e o caráter individualista da legislação da republica favoreceu a absorção da propriedade que era do índio pelos latifundiários. Entretanto Mariátegui ressalta que sem a dissolução do feudo não pode funcionar, em nenhum lugar, os ideais liberais. Contudo, sem a mão de obra dos índios americanos, a arca de tesouro dos espanhóis estaria vazia. Segundo Mariátegui, o problema indígena não é étnico, econômico-social, nem educacional, para ele, a nova colocação consiste em procurar o problema indígena no problema da terra.
Após os conquistadores espanhóis promoverem uma total carnificina das comunidades indígenas que eram em número muito superior do que os invasores, o Vice-reinado se encarregou de manter uma exploração brutal dos índios em função da sua ganância pelos metais e como se sabe, a revolução da independência ao consistiu num movimento indígena. Foi promovida e aproveitada pelos criollos, que aproveitaram o apoio da massa indígena. O programa liberal da independência trazia uma serie de benefícios os índios, entretanto como não houve governante capaz de garantir esses direitos, os benefícios ficaram apenas no papel das leis e não foram colocados em prática. Todas as disposições aparentemente dirigidas para proteger o índio,
não foram capazes de superar o feudalismo latifundiário subsistente ate hoje.  A República que deveria elevar a condição do índio, só fez garantir a ascensão da nova classe dominante que se apropriou sistematicamente das terras dos índios. E para o índio, que sempre manteve uma relação de alma agrária, de profunda adoração a terra, foi um grande golpe. E todas as tentativas de reivindicações por parte dos índios foram respondidas com grande derrame de sangue.
Mariátegui conclui afirmando que a solução para o problema do índio deve ser uma solução social, que tem que ser realizada pelos próprios índios, afinal, eles representam 4/5 da população, segundo ele, é necessário haver maior articulação e união nas lutas em todo o território, não devendo ser lutas regionais, pois uma multidão de mais de 4 milhões de pessoas não pode permanecer dispersas, pois assim, nunca poderão decidir os rumos do seu desenvolvimento.

Um comentário:

  1. O pensador marxista latino-americano,José Carlos Mariátegui, descreve a história de colonização dos espanhóis no Peru, mostrando que a evolução econômica seguiu três etapas desde a conquista,passando pelo movimento da independência e a formação da República até os dias atuais.E o nosso autor constata também que o país passou pelo processo de desenvolvimento econômico feudal, e vê ainda que na região serra ainda persistiu os vestígios da economia primitiva comunista incaica e na costa peruana se verificou a presença de economia que lembra a burguesa capitalista, mas que não prosperou muito dando impressão de certo retardo ou de subdesenvolvido. E com relação à eventual solução que venha a se dar ao problema, não se pode deixar o problema do índio com a terra fora do contexto da discussão, posto que a população indígena peruana conta com mais 4/5 de pessoas. E solução ao problema do índio é basicamente de caráter social. E quem pode resolver a questão são os próprios, mas com a situação agrária devidamente resolvida, uma vez que os incas são eminentemente uma população agricultora.

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