quinta-feira, 28 de junho de 2012

Resenha de "O Poder Simbólico".

 
 Bourdieu: um clássico ainda não reconhecido como tal.



 Entenda o conceito de Poder Simbólico.



A novidade na obra de Pierre Bourdieu encontra-se na variedade dos objetos de sua análise. O poder simbólico é um desses temas ao qual Bourdieu se dedica. Para ele, o poder simbólico é esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a esse poder ou mesmo daqueles que o exercem.
 Bourdieu se concentra nas situações em que esse poder é normalmente ignorado, fato que nos permite intuir que esse poder é plenamente reconhecido pelos agentes envolvidos.
O capítulo em questão aqui leva o título da obra, "O Poder Simbólico", e está dividido em quatro subtítulos. No primeiro deles, Bourdieu considera a arte, a religião, a língua, etc., como estruturas estruturantes, citadas algumas vezes por ele como modus operandi, uma expressão do latim que significa modo de operação. Utilizada para designar uma maneira de agir, operar ou executar uma determinada atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos, seguindo sempre os mesmos padrões nos processos. O segundo subtítulo fala dos sistemas simbólicos como estruturas estruturadas ou opus operatum. No terceiro subtítulo, Bourdieu trata das produções simbólicas como instrumentos de dominação. Por fim, trata dos sistemas ideológicos legítimos. \muito bem, vamos por parte, pois os escritos de Bourdieu são realmente densos e merecem toda a atenção e a maior paciência.
Segundo Bourdieu, a tradição neo-kantiana trata os diferentes universos simbólicos como instrumentos de conhecimento e de construção do mundo dos objetos, ou seja, como formas simbólicas, reconhecendo assim a ação e a importância do conhecimento. Bourdieu faz algumas considerações abrangendo os pensamentos de Émile Durkheim (pai da Sociologia Moderna que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica) e de Erwin Panofsky (grande crítico da arte alemã e um dos principais representantes do método iconológico. Sua grande obra foi um estudo sobre a Arquitetura Gótica e Escolástica: uma analogia sobre a arte, a filosofia e a teologia na Idade Média).
 Para Bourdieu, Durkheim representava a tradição Kantiana exatamente por procurar respostas “positivas” e “empíricas” ao problema do conhecimento e não se contendo apenas ao apriorismo ou ao empirismo separadamente. Ao lançar fundamentos de uma sociologia das formas simbólicas, que neste caso equivaleriam a formas de classificação, Durkheim explicita o caráter transcendental que faz essas formas de classificação se tornarem formas sociais, se aproximando dessa maneira da teoria de Panofsky, onde as formas sociais são socialmente determinadas, ou seja, são relativas a um determinado grupo particular, logo são formas sociais arbitrárias.
Segundo Bourdieu, nesta tradição, a objetividade do sentido do mundo define-se pela concordância das subjetividades estruturantes, ou seja, o julgamento é igual ao consentimento, ou, em suas palavras, o senso é igual ao consenso.
Já para os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, Bourdieu considera que são passíveis de uma análise estrutural. Essa análise estrutural tem em vista isolar a estrutura permanente de cada produção simbólica. O Poder Simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica, ou seja, o sentido do mundo supõe um conformismo lógico, uma concepção homogênea que torna possível a concordância entre as inteligências. Destarte, os símbolos são instrumentos de integração social. Enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação eles tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social.
Já para descrever as produções simbólicas como instrumentos de dominação, Bourdieu se baseia na tradição marxista que privilegia as funções políticas dos sistemas simbólicos em detrimento da sua estrutura lógica e da sua função gnosiológica. Este funcionalismo explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses das classes dominantes. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante, assegurando uma integração e uma comunicação entre os membros dessa classe e ao mesmo tempo os distingue de outras classes. Daí surge um importante conceito desenvolvido posteriormente por Bourdieu: a distinção. Pois a mesma cultura que une por intermédio da comunicação é a mesma cultura que separa como instrumento de distinção, que legitima a diferença das culturas exatamente pela distância da cultura em questão em relação à cultura dominante.
Bourdieu considera que as relações de comunicação são sempre relações de poder que dependem do capital material ou simbólico acumulado pelos agentes. Os sistemas simbólico, enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e conhecimento, cumprem sua função política de imposição e de legitimação da dominação de uma classe sobre a outra, agindo como uma forma de violência simbólica.
Dessa maneira, Bourdieu conclui sobre as produções simbólicas como instrumentos de dominação da seguinte maneira: o campo de produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes. Assim, a classe dominante, cujo poder está pautado no capital econômico, tem em vista impor a legitimidade da sua dominação por meio da própria produção simbólica.
Por fim, Bourdieu disserta sobre os sistemas de produção ideológica legítima, como instrumentos de dominação estruturantes exatamente por serem estruturados, reproduzindo de forma irreconhecível a estrutura do campo das classes sociais. Em outras palavras, os sistemas simbólicos produzidos por um corpo de especialistas e mais especificamente por um campo de produção autônomo é uma dimensão do progresso da divisão do trabalho social, portanto, da divisão das classes.
Concluindo: para Bourdieu, o poder simbólico é um poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força física ou econômica e só se exerce se for reconhecido, o que significa que ele acaba sendo ignorado, passa despercebido. Assim, o poder simbólico é uma forma irreconhecível e legitimada.
Então meus amigos e minhas amigas, tentar entender Bourdieu significa mergulhar de cabeça em seus escritos profundamente densos e perspicazes, tarefa que só é possível de ser minimamente alcançável após longas horas de interpretação, de total imersão nessa obra esplêndida que ainda não é considerada como um clássico, mas certamente um dia o será.
Espero que vocês façam uma boa leitura dessa resenha e que assim, possam depreender mais informações ao se depararem com a obra original. Aguardo ansioso pelos comentários e pelas críticas, pois a opinião polifônica é um caminho muito salutar para as Ciências Sociais.

sábado, 9 de junho de 2012

Questões de taxonomia, ou como o Brasil se tornou um país de brancos e negros na era das cotas.



 "O debate que não houve”.


Um texto de Yvonne Maggie e Peter Fry.







O texto de Yvonne Maggie e Peter Fry aborda a questão da reserva de vagas destinadas à negros nas Universidades e no Funcionalismo Público. Utilizando citações de cartas enviadas à redação do Jornal O Globo, do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 2001 e 2002, os autores fortalecem a corrente de pensamento que é contra tal política.
O texto ressalta que o governo brasileiro mudou radicalmente de postura perante a questão racial ao encaminhar uma proposta de “Ações Afirmativas” em favor da população Afrodescendente, à III Conferência Mundial das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, que aconteceu em Durban, África do Sul, em 2001.
Segundo os autores, as medidas pós Durban, ao proporem ações afirmativas em prol da população negra, rompem não só com o a-racismo e o anti-racismo tradicionais do país, como também com a forte ideologia que define o Brasil como um país de mistura, ou, como preferiria Gilberto Freyre, do hibridismo. (Maggie, Y e Fry, P. 2002, p.94)
De acordo com as citações presentes no texto, que foram advindas de cartas enviadas ao Jornal O Globo, aqueles que se pronunciaram em favor das ações afirmativas, se apoiaram na negação da igualdade entre todos. Estes sugerem que tratar todos como iguais é uma forma cínica de lidar com o problema. Em contrapartida, aqueles que se pronunciaram contra as ações afirmativas, julgam a atitude como uma Política de Estado, que contrariou a premissa democrática e se instaurou hierarquicamente de cima para baixo.
Na opinião dos autores, que são contra as ações afirmativas, a falta de debate público anterior à decisão, impediu que se pudesse verificar se houve ou não uma mudança radical no Brasil desde a constituição de 1988 até 2001, onde o Brasil sempre fora uma Nação de “Raças Misturadas” e passou a ser uma Nação de “Raças Distintas”, que se segregariam em dois polos, os brancos e os não-brancos.
Para a elaboração do texto, os autores levaram em consideração cartas enviadas pelos leitores entre os anos de 2001 e 2002, período em que a Assembléia dos Deputados do Estado do Rio de Janeiro aprovou, por aclamação, portanto, sem debate, a lei que instituiu cota de 40% para populações negras e pardas no acesso à Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e para a Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Na opinião dos autores, levar em conta as cartas dos leitores representava extrapolar os muros das universidades aproveitando a opinião dos próprios “nativos”, algo que na tradição da nossa Antropologia deve ser realmente considerado.
Alguns argumentos contra a política de ações afirmativas ressaltavam que a discriminação, mesmo positivamente, é uma forma de racismo e corre contra a tradição brasileira. (op. cit. p 97). Assim, para os autores, o sistema de cotas representa uma vitória da taxonomia bipolar sobre a velha taxonomia de muitas categorias. (op. cit. p 98) Ainda tiveram os que argumentaram que as desigualdades entre brancos e negros é, sobretudo, uma questão econômica, que resulta da falta de oportunidades para os pobres em geral e a solução estaria na melhoria do ensino público, principalmente nas periferias.( op. cit. p 100)
Do contrário, a lei privilegiará os negros mais bem preparados em função da sua melhor condição econômica e que não precisam das cotas. Dessa maneira, a cota para negros discrimina o branco que é pobre, pois o branco com recursos financeiros não terá dificuldade de alcançar seus objetivos, enquanto que o branco pobre, que também não teve acesso a escolas de qualidade, terá a oferta de vagas ainda mais restrita a partir da reserva de vagas somente para os negros.
Os autores do texto não estão certos de que seja possível corrigir séculos de desigualdades de qualquer ordem, seja racial ou não, por meio de uma política de cotas que representa custo zero para o Estado. (op. cit. p 106) Para eles, a iniciativa dos governantes de abandonar bruscamente um projeto nacional de melhoria na qualidade do ensino, que certamente envolvia custos representativos para o governo, em prol de cotas raciais representa um retrocesso no país.
De acordo com os autores, iniciativas de ação afirmativas oriundas na sociedade civil produzem consequências para todos e por isso deveriam ser amplamente discutidas e nunca impostas como vem ocorrendo. E nesse ponto tenho que concordar que promover a instalação de escolas de qualidade em diversos pontos da periferia propiciaria mais oportunidades para aqueles que são mais pobres e que residem espacialmente distante dos grandes centros, o que, obrigatoriamente, atingiria beneficamente não só os negros, que são majoritariamente mais pobres, como também beneficiaria aqueles brancos que igualmente pobres,  não têm condições de acessar uma universidade devido ao baixo nível de escolarização que esteve disponível para as classes menos abastadas nas últimas décadas.
O texto é extremamente importante para a formação de uma opinião acerca da política de ações afirmativas implementada para beneficiar a população negra, entretanto  não se exclui a necessidade de sabermos outras opiniões sobre tal situação.  



Referência Bibliográfica.
MAGGIE, Yvonne e FRY, Peter. (2002) O debate que não houve. A reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras. In: Enfoques-Revista Eletrônica. Rio de Janeiro. v. 1 n. 1. pp. 93-117. Disponível em:<http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br/pdfs/2002-DEZ.pdf>
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