segunda-feira, 9 de abril de 2012

Resenha de “Sobre a autoridade etnográfica” de James Clifford.



James Clifford e uma crítica aos atuais modos de etnografia.



Sem dúvida um texto denso e difícil de ser interpretado, ainda que Clifford afirme, já na segunda página, que o texto tem por objetivo traçar a formação e a desintegração da autoridade etnográfica na antropologia social do século XX, o leitor precisa acompanhar o raciocínio do autor até as últimas linhas, pois James Clifford passa boa parte do tempo descrevendo características do trabalho de campo que podem levar o leitor a acreditar que ele esteja valorizando a etnografia.
Clifford demonstra como foi se construindo a noção de autoridade etnográfica, ou seja, o modo como o autor se coloca presente no texto, como ele legitima um discurso sobre a realidade. Trata-se do famoso termo “Eu estive lá”, que dá provas de que o que pesquisador viu e aquilo existe. Nesse sentido, Malinowski, principalmente com o seu trabalho “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” repleto de fotografias é o divisor de águas. Antes dele, o etnógrafo e o antropólogo, aquele que descrevia os costumes e aquele que era construtor de teorias gerais sobre a humanidade, eram personagens distintos.

Segundo Clifford, os atuais estilos de descrição cultural são limitados e estão vivendo importantes metamorfoses. Para ele, o desenvolvimento da ciência etnográfica não pode ser compreendido em separado de um debate político-epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade (concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro). Clifford cita a legitimação do pesquisador de campo profissional, de padrões normativos de pesquisa, de sofisticação científica e da simpatia relativista. Outra questão importante era o domínio da língua nativa, ou apenas a utilização de termos lingüísticos nativos pelo pesquisador na etnografia, onde o domínio da língua não era crucial. Em terceiro lugar, como se uma cultura pudesse ser apreendida apenas pelo que vê o observador treinado, dava-se ênfase ao poder de observação. O trabalho de campo bem-sucedido mobilizava a mais completa variedade de interações, mas uma distinta primazia era dada ao visual: a interpretação dependia da descrição.

Depois disso, Clifford focaliza os modos de autoridade: o experiencial, o interpretativo, o dialógico e o polifônico. O modelo clássico de modo de autoridade seria o experiencial, que é exemplificado com Malinowski, onde se tenta comprovar o “Eu estive lá”. Também se tenta mostrar que uma experiência de campo foi produtiva envolvendo o leitor na complexa subjetividade da observação participante, unindo o leitor e o nativo numa participação textual. 
Sobre o modo de autoridade interpretativo, a crítica principal recai no entendimento de que se possa ver a cultura como um conjunto de textos, a textualização é entendida como pré-requisito para a interpretação. O discurso se transforma num texto, porém, não há como você trazer um discurso para ser interpretado tal qual um texto é lido. “Para ele, a interpretação não é uma interlocução, ela não depende de estar na presença de alguém que fala. Por conseguinte, Clifford destaca que, em última análise, o etnógrafo sempre vai embora, levando com ele textos para posterior interpretação, pois o texto, diferentemente do discurso, pode viajar. Se muito da escrita etnográfica é feita no campo, a real elaboração de uma etnografia é feita em outro lugar.

Somente no final do texto é que se pode perceber que Clifford pretende é afirmar que esses dois modos de autoridade, o experiencial e o interpretativo, estão cedendo lugar a dois outros modos de autoridade. O dialógico e ao polifônico. Segundo ele, o modo de autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais sujeitos conscientes e politicamente significativos. Já o modo de autoridade polifônico, que rompe com as etnografias que pretendem conter uma única voz, geralmente a do etnógrafo, propõe a produção colaborativa do conhecimento etnográfico, dentre elas, citar informantes extensa e regularmente. Mas ainda assim, as citações são sempre colocadas pelo citador e tendem a servir como exemplos ou testemunhos.
Clifford finaliza o raciocínio dizendo que é inevitável romper com a autoridade monológica que as etnografias faziam ao se dirigirem a um único leitor. A multiplicação das leituras possíveis reflete o fato de que a consciência etnográfica não pode mais ser considerada como monopólio de certas culturas apenas do Ocidente, afinal de contas, os antes estudados agora fazem seus próprios estudos. Os trabalhos polifônicos são especialmente abertos a leituras não específicas intencionais e a autoridade polifônica olha com muita simpatia para os textos em língua nativa.

9 comentários:

  1. adorei a resenha! Muito ajuda na interpretação do texto, que realmente não é fácil.

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    1. Fico feliz que a resenha tenha ajudado!

      Obrigado pelas palavras e pela visita ao blog.

      Att.

      Rodrigo Dias

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  2. Nossa, muito obrigado por postar esta resenha, foi muito importante para o meu entendimento do capítulo, agradeço por compartilhar seus conhecimentos.

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  3. Simplesmente magnifica esta resenha, esse JC é topo das galáxias.

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  4. Resenha perfeita, estou tentando o Mestrado em Antropologia Social e JC é um dos meus teóricos que irei trabalhar, e esse texto abriu o norte para mim e a certeza do que eu tinha dúvida. Muitíssimo obrigada por esta resenha.

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  5. Bela resenha.Sou estudante de antropologia e seu post ajudou-me em meus estudos sobre Clifford. Obrigada.

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  6. Eu estou maravilhada com a resenha, me ensina a resenhar assim.
    Parabéns pelo trabalho ...

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  7. Resenha MARAVILHOSA!!! Muito obrigada pela sua contribuição para a melhor compreensão do pensamento de James Clifford! <3 Continue, o progresso é contínuo.

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