Mariátegui:
Um ícone do Pensamento Social Latino Americano.
José Carlos
Mariátegui resume neste livro, sete ensaios que já havia escrito e publicado na
revista Amauta, a mais importante da história peruana, sobre alguns aspectos da
realidade peruana. Dos sete ensaios, Mariátegui consagrou três ao esquema da
evolução econômica, o problema do índio e o problema da terra. Nos quatro
restantes, abriu um processo, no sentido jurídico, de iniciar um julgamento da
educação publica, da instituição da igreja católica, do centralismo de Lima e
da literatura peruana. E o ponto crucial desses sete ensaios é a implacável
crítica que Mariátegui faz os dirigentes políticos e aos intelectuais que
tinham os olhos voltados para Madri, Paris e Nova York e não entendiam nada do
que acontecia no Peru. Nesta resenha, nos dedicaremos aos dois primeiros
capítulos da obra: esquema da evolução econômica e o problema do índio.
Mariátegui
desenvolve o esquema da evolução econômica em cinco tópicos: a economia
colonial, as bases econômicas da republica, o período do guano e do salitre,
caráter da nossa economia atual e economia agrária e latifundismo feudal. De
acordo com Mariátegui, havia um bem estar na economia peruana antes da chegada
dos conquistadores. Segundo ele, há relatos históricos que no império dos Incas
as subsistências eram abundantes e o povo crescia em paz, tirando todo proveito
social, valorizando o território e construindo caminhos e canais. Entretanto os
conquistadores espanhóis destruíram essa formidável máquina de produção. Só se
preocuparam em distribuir entre si as terras e os homens que ali habitavam. O
império espanhol consistiu apenas em um empreendimento militar e eclesiástico,
desembarcaram na colônia apenas os vice-reis, aventureiros e os soldados. A economia
colonial consistia quase que exclusivamente na exploração do ouro e da prata
peruana.
A segunda
fase dessa economia surge com a independência ainda que a economia parecesse
dominada por esse processo. Para Mariátegui, as idéias da revolução francesa encontraram
um ambiente mais favorável na América do Sul, pois já havia uma burguesia que
tinha necessidades e interesses econômicos e que por isso podia ser contagiada
pelo ideal revolucionário da burguesia européia. A política da Espanha de
monopolizar o comércio nas colônias era um grande obstáculo ao desenvolvimento econômico,
mas o próprio impulso natural da colônia desejava emancipar-se do pensamento
medieval do rei da Espanha. E assim surgiu o fator histórico da revolução da
independência Sul-americana, movida pelos interesses da população criolla e não
pelos desejos da população indígena. O império espanhol refluía por repousar em
bases militares e políticas e por representar uma economia atrasadas. As
colônias tinham apetite por coisas novas e praticas, mas os espanhóis só podiam
abastecer suas colônias com cléricos e doutores
nobres. Surgiu então um interesse mútuo entre as economias das colônias
espanholas e do Ocidente capitalista e tão logo conseguiram a independência
essas colônias buscaram no trafego com o capital e a indústria do Ocidente os
elementos para o aumento de suas economias. E os países mais favorecidos por
esse trafego foram o Brasil e a Argentina, ambos por sua localização
privilegiada de maior proximidade com a Europa, enquanto que nas outras regiões
da América do Sul o desenvolvimento era impedido pelos resíduos do feudalismo.
Assim o processo histórico do Peru inicia uma desvincula ao do processo
histórico dos outros povos da América do Sul. O Peru esta muito distante da
Europa, por isso, os barcos europeus tinham que fazer longas trajetórias ara
alimentar as trocas, dessa maneira o Peru se tornou um comerciante mais próximo
do Oriente do que da Europa, e esse comércio se tornou considerável. Mas
segundo Mariátegui, o Peru que emergiu da conquista, apoiado na independência,
necessitava aqui dos métodos e do jeito de pensar da Europa.
A economia
peruana passa por um bom momento após o Descobrimento da riqueza do guano e do
salitre, dois nitratos que tem grande aplicação como fertilizantes. Enquanto a
Espanha usava a colônia como fonte de ouro e prata, a Inglaterra passou a
explorar a região atrás de matérias menos preciosas como o guano e o salitre. A
queda no interesse pelo ouro, muito em função da exploração na Califórnia, e a
crescente demanda industrial por guano e salitre na região do pacifico, fez a exploração
aumentar. Enquanto que para se obter ouro, prata e carvão era necessário se
aventurar pelas montanhas do Peru, a obtenção de guano e salitre era bem fácil,
sendo em abundância nas regiões costeiras o que fez a exploração desse recurso
dominar todas as outras manifestações da vida econômica do pais. O guano e o
salitre criaram um comércio ativo com o mundo ocidental numa época em que o
Peru, mal situado geograficamente, não dispunha de grandes meios para atrair
seu solo às correntes colonizadoras e civilizadoras. Os lucros dessa exploração
criaram os primeiros elementos sólidos do capital comercial e bancário.
Formou-se no Peru, uma burguesia enraizada e confundida pela estrutura aristocrática,
formados por latifundiários que eram forçados a adotar os princípios
fundamentais das políticas liberais. Segundo Mariátegui, a exploração desse
recurso revelou tragicamente o perigo de uma prosperidade econômica baseada na exploração
de recursos naturais por algum estrangeiro. Segundo Mariátegui, se esse período
fosse passado de uma forma mais orgânica, pensando nas conseqüências, poderia
ter sido mais seguro e as perdas do pós-guerra não teriam provocado um colapso
no sistema produtivo.
A derrota na Guerra
do Pacifico, significou para a economia peruana a paralisação das nascentes
forcas produtivas, a desvalorização da moeda nacional e a ruína do credito
externo. As etapas fundamentais desse capítulo em que a economia peruana se organizou
lentamente sobre bases menos férteis, porém mais firmes que as do guano e do
salitre, podem ser esquematizados por alguns fatos como: o surgimento das
indústrias modernas, a formação de um proletariado industrial, o surgimento dos
bancos, o aumento do comércio alavancado pela construção do Canal do Panamá, a
superação do poder britânico pelo poder estadunidense, pelo desenvolvimento de
uma classe capitalista, pela temporária extração da borracha, pela subida dos
preços dos produtos peruanos e pela política de empréstimos. Segundo
Mariátegui, esses foram os principais aspectos da evolução da economia peruana
no período pós-guerra. Lembrando que esse ensaio foi publicado no inicio do
século xx, Mariátegui afirma que no Peru coexistem três economias diferentes:
feudal, nascido da conquista, na serra alguns indícios da economia comunista
indígena e na costa a economia burguesa que dá a impressão de ser uma economia
retardada.
E finalizando
esse primeiro capítulo, Mariátegui descreve a economia agrária e o latifundismo
feudal. Mesmo com o incremento da mineração, o Peru se mantêm como um país
agrícola, prova disso é que os índios representam 5/4 da população peruana e a
comunidade indígena é essencialmente uma comunidade agricultora tradicional.
Confirmando essa informação, tem se que o número de trabalhadores que a
mineração emprega representa algo em torno de apenas 28mil funcionários, algo
que se repete com a indústria manufatureira. Segundo Mariátegui, a classe
latifundiária não conseguiu se transformar em uma burguesia capitalista. A
mineração, o comércio e os transportes encontram-se nas mãos de estrangeiros e
os latifundiários se contentaram em servir de intermediários. E este sistema
econômico que se manteve como uma organização semifeudal, acabou sendo a maior
dificuldade para o desenvolvimento do país.
Na costa
peruana quase não existe aldeias, porque o feudo ainda subsiste. O balanço de
anos de desenvolvimento capitalista se resume em dois fatos notórios: a concentração
da indústria açucareira na região em duas grandes centrais, a da Cartavio e a
de Casa Grande, ambas estrangeiras; a absorção
das empresas nacionais portadas duas empresas; o monopólio do comércio de
importação, por essa mesma empresa; a decadência da cidade de Trujillo e a liquidação
da maioria das empresas importadoras. No Peru, contra o sentido da emancipação
republicana, se encarregou ao espírito do feudo, antítese e negação do espírito
do burgo, a criação de uma economia capitalista.
Já no segundo
capítulo, Mariátegui desenvolve uma serie de fatos que deixam bem claro sua
posição defensora dos índios. Para ele a questão do índio começa no regime de
propriedade da terra. Neste ensaio, ele descreve como funcionava efetivamente o
feudalismo dos gomonales, que invalidava toda lei de proteção aos índios. O
termo gamonalismo não designa apenas uma categoria social e econômica; a dos
latifundiários em si, dos grandes proprietários de terras agrícolas, compreende
todo um fenômeno de hierarquia de funcionários intermediários, agentes,
parasitas, etc, onde o fator hegemonia da grande propriedade semifeudal.
Esses fazendeiros, latifundiários, não
respeitavam as leis e mantinham uma dominação total dos índios, que chegavam a
trabalhar gratuitamente e ate em regime de escravidão. Mariátegui usa diversas
frases do intelectual Gonzalez Prada, que na literatura peruana foi o precursor
da transição do período colonial para o período cosmopolita, sempre
engrandecendo a forca do índio, que seria a verdadeira nação peruana. Segundo
Prada, nada muda tão radicalmente a psicologia do homem quanto a perda da sua
propriedade, e o caráter individualista da legislação da republica favoreceu a
absorção da propriedade que era do índio pelos latifundiários. Entretanto
Mariátegui ressalta que sem a dissolução do feudo não pode funcionar, em nenhum
lugar, os ideais liberais. Contudo, sem a mão de obra dos índios americanos, a
arca de tesouro dos espanhóis estaria vazia. Segundo Mariátegui, o problema
indígena não é étnico, econômico-social, nem educacional, para ele, a nova
colocação consiste em procurar o problema indígena no problema da terra.
Após os
conquistadores espanhóis promoverem uma total carnificina das comunidades
indígenas que eram em número muito superior do que os invasores, o Vice-reinado
se encarregou de manter uma exploração brutal dos índios em função da sua
ganância pelos metais e como se sabe, a revolução da independência ao consistiu
num movimento indígena. Foi promovida e aproveitada pelos criollos, que
aproveitaram o apoio da massa indígena. O programa liberal da independência trazia
uma serie de benefícios os índios, entretanto como não houve governante capaz de
garantir esses direitos, os benefícios ficaram apenas no papel das leis e não
foram colocados em prática.
Todas as disposições aparentemente dirigidas para proteger o índio,
não foram capazes de
superar o feudalismo latifundiário subsistente ate hoje. A República que deveria elevar a condição do índio,
só fez garantir a ascensão da nova classe dominante que se apropriou sistematicamente
das terras dos índios. E para o índio, que sempre manteve uma relação de alma
agrária, de profunda adoração a terra, foi um grande golpe. E todas as
tentativas de reivindicações por parte dos índios foram respondidas com grande
derrame de sangue.
Mariátegui
conclui afirmando que a solução para o problema do índio deve ser uma solução
social, que tem que ser realizada pelos próprios índios, afinal, eles
representam 4/5 da população, segundo ele, é necessário haver maior articulação
e união nas lutas em todo o território, não devendo ser lutas regionais, pois
uma multidão de mais de 4 milhões de pessoas não pode permanecer dispersas,
pois assim, nunca poderão decidir os rumos do seu desenvolvimento.