terça-feira, 31 de julho de 2012

Resenha de “O Projeto Unesco e a Agenda das Ciências Sociais no Brasil dos anos 40 e 50".



 
 O Projeto Unesco no Brasil

Um agente catalisador.






O texto de Marcos Chor Maio trata do programa de estudos sobre relações raciais promovidos pela Unesco nas décadas de 1940 e 1950. Segundo Marcos o projeto funcionou como um catalisador, pois colaborou para ações similares em outras instituições estrangeira. Na época, havia no Brasil uma ideia de “paraíso racial”, em outras palavras, o Brasil era um território singular e bem sucedido quando o assunto era a diferença racial. Marcos Maio ressalta que mesmo antes da iniciativa da Unesco, já havia no Brasil investigações científicas a respeito das relações raciais em geral, seja no estudo dos Índios ou dos mulatos e até de imigrantes europeus que se instalaram por aqui.
Marcos faz uma referência ao trabalho realizado pelo diretor do Departamento de Ciências Sociais da Unesco, o brasileiro Arthur Guerreiro Ramos, que realizou um trabalho significativo no incremento das investigações antropológicas e sociológicas no Brasil. Guerreiro Ramos considerava ser necessário uma atenção especial ao estudo dos grupos negros e indígenas para a tarefa de integração ao  mundo moderno. Em um de seus últimos trabalhos como antropólogo, Ramos reiterou que o Brasil era um “laboratório de civilização” e apesar de reconhecer as profundas desigualdades sociais entre brancos e negros, bem como a existência do “preconceito de cor”, Ramos acreditava que ainda assim o Brasil era um território singular para a pesquisa sobre a democracia racial.
Segundo Maio a opção pelo Brasil é devido ao contexto internacional da época. Após o desastre do Holocausto na Segunda Guerra e a persistência do racismo nos EUA e na África do Sul, a Unesco estimulou a produção de conhecimento científico a respeito do racismo, abordando as motivações, os efeitos e as possíveis formas de superação do fenômeno. O Brasil representava a possibilidade de oferecer ao mundo uma consciência política que primasse pela harmonia entre as raças, pois aqui já havia uma ampla pesquisa sobre os aspectos de cooperação entre as diversas raças existentes no país. Além do fato que muitos viajantes já haviam relatado com surpresa a convivência pacífica entre as diversas etnias no Brasil. Segundo Maio, a crença numa democracia racial à brasileira teve no sociólogo Gilberto Freyre a mais refinada interpretação e tornou-se assim um dos principais alicerces da integração racial no país.
Segundo Maio, o Projeto Unesco contemplaria de início apenas a Bahia pelo fato de Salvador, a capital baiana, ter uma tradição nos estudos sobre os negros. A cidade tinha atraído uma grande quantidade de pesquisadores exatamente pela grande quantidade de negros vindos da África terem sidos alocados na cidade. Entretanto, quatro cientistas sócias se posicionaram a favor da ampliação do projeto. Um deles era Otto Klineberg, que alegava que Salvador e São Paulo eram muito diferentes, assim era mais conveniente estudar as relações raciais sob um certo número de condições distintas, por isso era imprescindível que o estudo não ficasse restrito à Bahia. Marcos Maio relata que outro pesquisador se colocou a disposição da Unesco para realizar a pesquisa de forma conjunta. Segundo Maio, Charles Wagley considerava que a investigação na Bahia não deveria impedir a oportunidade de haver estudos em outras regiões. Além de klineberg e Wagley, o sociólogo Luiz de Aguiar da Costa Pinto, um dos participantes do debate sobre o estatuto científico do conceito de raça também manifestou interesse de que a Unesco e o Departamento de Ciências Sociais da Faculdade Nacional de Filosofia - FNFi, vinculado à então Universidade do Brasil, hoje UFRJ, chegassem a um acordo para realizar também no Rio de Janeiro, análises necessárias para o projeto.
Assim, Alfred Métraux, diretor do Departamento de Ciências Sociais da Unesco, entrou em contato com Roger Bastide, professor da Universidade de São Paulo, importante referência nos estudos relativos à cultura afro brasileira e autor de uma série de trabalhos sociológicos sobre o negro no Brasil. Segundo Maio, Alfred Métraux deixou claro que a Bahia seria a concentração dos esforços, entretanto, pretendiam realizar sondagem em outras regiões do Brasil. Roger Bastide aceitou com entusiasmo a notícia e por manter uma ligação com o TEN – Teatro Experimental do Negro, uma associação político-cultural que visava reduzir as desigualdades sociais existentes entre brancos e negros, deixou a cargo de Guerreiro Ramos, um importante sociólogo e militante do TEN a tarefa de convencer o governo brasileiro a patrocinar um congresso internacional de relações raciais. De acordo com Marcos Maio, o Congresso do TEN tentou oferecer uma alternativa à Unesco no que tange o trabalho a ser desenvolvido no Brasil. Entretanto, a proposta elaborada por Guerreiro Ramos só contemplava em parte os interesses da Unesco, pois não incluía a proposta de uma investigação-piloto,  de natureza acadêmica, adotada pela Conferência de Florença. A resolução não teve repercussão junto à Unesco, no entanto as posições de Guerreiro Ramos com relação à proposta da agência internacional revelam um momento de disputa quanto a natureza política do projeto a ser realizado. Bastide quando contatado por Métraux, ainda sob o impacto de do Congresso do TEN, considerava que o projeto não se deveria limitar ao trabalho de pesquisa. Seria fundamental dar um sentido prático às reflexões teóricas, estimulando uma cooperação entre os intelectuais brancos e associações negras. Dessa forma haveria a quebra de preconceitos e a diminuição das tensões que estavam sendo criadas.
Marcos Maio chama a atenção que é preciso observar que o Brasil, embora fosse considerado um país dotado de relações raciais harmoniosas, especial atenção deveria ser atribuída às formas particulares e muitas vezes sutis de manifestação do preconceito racial. Para isso seria aconselhável utilizar outros recursos metodológicos como entrevistas qualitativas, observação participante, etc.
Segundo Maio, o projeto Unesco se desenvolveu de forma complexa. A simpatia que a agencia tinha pelo Brasil não foi suficiente para determinar o escopo definitivo do estudo e seus resultados. A opção pela Bahia parecia mais adequada à imagem do Brasil como uma democracia racial, onde a interação entra as raças seria harmoniosa. No entanto os objetivos foram ampliados graças a atuação de Charles Wagley, Costa Pinto, Roger Bastide Ruy Coelho e Otto Klineberg, acrescida da visita de Alfred Métraux ao Brasil no final da década de 1950 a qual ele afirmou que o caso paulista seria susceptível de alterar a imagem demasiadamente otimista que se fazia do problema racial no Brasil. Para Métraux, o Brasil serviu de agente catalisador da pesquisa. O projeto Unesco inalgurou a etapa do estudo sistemático da situação racial brasileira definindo critérios de delimitação da área de investigação, apresentação objetiva dos dados utilizados, analogia entre a situação racial brasileira e a de outros países, etc.
Marcos Maio conclui seu texto apoiando-se nas reflexões de Florestan Fernades, sociólogo brasileiro que tinha obtido maior visibilidade entre os pesquisadores envolvidos nos estudos da Unesco.  Florestam Fernandes ao escrever o prefácio do livro “Cor e Mobilidade Social em Florianópolis” de autoria de Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, que representava o mais bem acabado trabalho fruto da influência do Projeto Unesco no processo de institucionalização das ciências sociais no Brasil. Para Florestan os estudos sobre relações raciais seriam um indicador do amadurecimento das ciências sociais no Brasil, no entanto o sociólogo paulista lamenta que a sociedade em geral não esteja alinhada para o significado das pesquisas em andamento. Florestan Fernades atribui esse fenômeno à crença de que o Brasil vive sob a égide de uma democracia racial. Envoltos por essa ideologia, os leigos dificultam o surgimento de uma mentalidade capaz de canalizar esforços na direção de uma sociedade democrática, tanto em termos políticos quanto sociais. Nesse sentido, Fernandes reconhece aspectos positivos da socialidade no campo das relações raciais e revela a condição paradoxal da convivência do racismo com o mito da democracia racial, tendo em vista a relevância dos aspectos culturais que se apresentam no jogo das relações sociais.
Marcos maio conclui afirmando que em tempos de globalização, de controvérsias entre visões universalistas e particularistas, de desafios colocados pelo multiculturalismo, de debates sobre políticas públicas racializadas, o Projeto Unesco ainda se constitui num importante ponto de referência para reflexões sobre dilemas da sociedade brasileira.
 

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