O Projeto Unesco no Brasil
Um agente catalisador.
O texto de Marcos Chor
Maio trata do programa de estudos sobre relações raciais promovidos pela Unesco
nas décadas de 1940 e 1950. Segundo Marcos o projeto funcionou como um catalisador,
pois colaborou para ações similares em outras instituições estrangeira. Na
época, havia no Brasil uma ideia de “paraíso racial”, em outras palavras, o
Brasil era um território singular e bem sucedido quando o assunto era a
diferença racial. Marcos Maio ressalta que mesmo antes da iniciativa da Unesco,
já havia no Brasil investigações científicas a respeito das relações raciais em
geral, seja no estudo dos Índios ou dos mulatos e até de imigrantes europeus que
se instalaram por aqui.
Marcos faz uma
referência ao trabalho realizado pelo diretor do Departamento de Ciências
Sociais da Unesco, o brasileiro Arthur Guerreiro Ramos, que realizou um trabalho significativo no incremento das
investigações antropológicas e sociológicas no Brasil. Guerreiro Ramos considerava
ser necessário uma atenção especial ao estudo dos grupos negros e indígenas
para a tarefa de integração ao mundo
moderno. Em um de seus últimos trabalhos como antropólogo, Ramos reiterou que
o Brasil era um “laboratório de civilização” e apesar de reconhecer as
profundas desigualdades sociais entre brancos e negros, bem como a existência
do “preconceito de cor”, Ramos acreditava que ainda assim o Brasil era um
território singular para a pesquisa sobre a democracia racial.
Segundo Maio a opção
pelo Brasil é devido ao contexto internacional da época. Após o desastre do
Holocausto na Segunda Guerra e a persistência do racismo nos EUA e na África do
Sul, a Unesco estimulou a produção de conhecimento científico a respeito do
racismo, abordando as motivações, os efeitos e as possíveis formas de superação
do fenômeno. O Brasil representava a possibilidade de oferecer ao mundo uma
consciência política que primasse pela harmonia entre as raças, pois aqui já
havia uma ampla pesquisa sobre os aspectos de cooperação entre as diversas
raças existentes no país. Além do fato que muitos viajantes já haviam relatado
com surpresa a convivência pacífica entre as diversas etnias no Brasil. Segundo
Maio, a crença numa democracia racial à brasileira teve no sociólogo Gilberto
Freyre a mais refinada interpretação e tornou-se assim um dos principais
alicerces da integração racial no país.
Segundo Maio, o Projeto
Unesco contemplaria de início apenas a Bahia pelo fato de Salvador, a capital
baiana, ter uma tradição nos estudos sobre os negros. A cidade tinha atraído
uma grande quantidade de pesquisadores exatamente pela grande quantidade de
negros vindos da África terem sidos alocados na cidade. Entretanto, quatro
cientistas sócias se posicionaram a favor da ampliação do projeto. Um deles era
Otto Klineberg, que alegava que Salvador e São Paulo eram muito diferentes, assim
era mais conveniente estudar as relações raciais sob um certo número de
condições distintas, por isso era imprescindível que o estudo não ficasse
restrito à Bahia. Marcos Maio relata que outro pesquisador se colocou a disposição
da Unesco para realizar a pesquisa de forma conjunta. Segundo Maio, Charles
Wagley considerava que a investigação na Bahia não deveria impedir a
oportunidade de haver estudos em outras regiões. Além de klineberg e Wagley, o
sociólogo Luiz de Aguiar da Costa Pinto, um dos participantes do debate sobre o
estatuto científico do conceito de raça também manifestou interesse de que a
Unesco e o Departamento de Ciências Sociais da Faculdade Nacional de Filosofia - FNFi,
vinculado à então Universidade do Brasil, hoje UFRJ, chegassem a um acordo para
realizar também no Rio de Janeiro, análises necessárias para o projeto.
Assim, Alfred Métraux,
diretor do Departamento de Ciências Sociais da Unesco, entrou em contato com
Roger Bastide, professor da Universidade de São Paulo, importante referência
nos estudos relativos à cultura afro brasileira e autor de uma série de
trabalhos sociológicos sobre o negro no Brasil. Segundo Maio, Alfred Métraux
deixou claro que a Bahia seria a concentração dos esforços, entretanto,
pretendiam realizar sondagem em outras regiões do Brasil. Roger Bastide aceitou
com entusiasmo a notícia e por manter uma ligação com o TEN – Teatro Experimental
do Negro, uma associação político-cultural que visava reduzir as desigualdades
sociais existentes entre brancos e negros, deixou a cargo de Guerreiro Ramos,
um importante sociólogo e militante do TEN a tarefa de convencer o governo
brasileiro a patrocinar um congresso internacional de relações raciais. De
acordo com Marcos Maio, o Congresso do TEN tentou oferecer uma alternativa à
Unesco no que tange o trabalho a ser desenvolvido no Brasil. Entretanto, a
proposta elaborada por Guerreiro Ramos só contemplava em parte os interesses da
Unesco, pois não incluía a proposta de uma investigação-piloto, de natureza acadêmica, adotada pela
Conferência de Florença. A resolução não teve repercussão junto à Unesco, no
entanto as posições de Guerreiro Ramos com relação à proposta da agência
internacional revelam um momento de disputa quanto a natureza política do projeto
a ser realizado. Bastide quando contatado por Métraux, ainda sob o impacto de
do Congresso do TEN, considerava que o projeto não se deveria limitar ao
trabalho de pesquisa. Seria fundamental dar um sentido prático às reflexões
teóricas, estimulando uma cooperação entre os intelectuais brancos e
associações negras. Dessa forma haveria a quebra de preconceitos e a diminuição
das tensões que estavam sendo criadas.
Marcos Maio chama a
atenção que é preciso observar que o Brasil, embora fosse considerado um país
dotado de relações raciais harmoniosas, especial atenção deveria ser atribuída
às formas particulares e muitas vezes sutis de manifestação do preconceito
racial. Para isso seria aconselhável utilizar outros recursos metodológicos
como entrevistas qualitativas, observação participante, etc.
Segundo Maio, o projeto
Unesco se desenvolveu de forma complexa. A simpatia que a agencia tinha pelo
Brasil não foi suficiente para determinar o escopo definitivo do estudo e seus
resultados. A opção pela Bahia parecia mais adequada à imagem do Brasil como
uma democracia racial, onde a interação entra as raças seria harmoniosa. No
entanto os objetivos foram ampliados graças a atuação de Charles Wagley, Costa
Pinto, Roger Bastide Ruy Coelho e Otto Klineberg, acrescida da visita de Alfred
Métraux ao Brasil no final da década de 1950 a qual ele afirmou que o caso
paulista seria susceptível de alterar a imagem demasiadamente otimista que se
fazia do problema racial no Brasil. Para Métraux, o Brasil serviu de agente
catalisador da pesquisa. O projeto Unesco inalgurou a etapa do estudo
sistemático da situação racial brasileira definindo critérios de delimitação da
área de investigação, apresentação objetiva dos dados utilizados, analogia
entre a situação racial brasileira e a de outros países, etc.
Marcos Maio conclui seu
texto apoiando-se nas reflexões de Florestan Fernades, sociólogo brasileiro que
tinha obtido maior visibilidade entre os pesquisadores envolvidos nos estudos
da Unesco. Florestam Fernandes ao
escrever o prefácio do livro “Cor e Mobilidade Social em Florianópolis” de
autoria de Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, que representava o mais
bem acabado trabalho fruto da influência do Projeto Unesco no processo de
institucionalização das ciências sociais no Brasil. Para Florestan os estudos
sobre relações raciais seriam um indicador do amadurecimento das ciências
sociais no Brasil, no entanto o sociólogo paulista lamenta que a sociedade em
geral não esteja alinhada para o significado das pesquisas em andamento. Florestan
Fernades atribui esse fenômeno à crença de que o Brasil vive sob a égide de uma
democracia racial. Envoltos por essa ideologia, os leigos dificultam o
surgimento de uma mentalidade capaz de canalizar esforços na direção de uma
sociedade democrática, tanto em termos políticos quanto sociais. Nesse sentido,
Fernandes reconhece aspectos positivos da socialidade no campo das relações
raciais e revela a condição paradoxal da convivência do racismo com o mito da
democracia racial, tendo em vista a relevância dos aspectos culturais que se
apresentam no jogo das relações sociais.
Marcos maio conclui
afirmando que em tempos de globalização, de controvérsias entre visões
universalistas e particularistas, de desafios colocados pelo multiculturalismo,
de debates sobre políticas públicas racializadas, o Projeto Unesco ainda se
constitui num importante ponto de referência para reflexões sobre dilemas da
sociedade brasileira.
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