Uma introdução ao cotidiano político
a partir do ensaio antropológico
de Karina Kuschnir.
O
texto em questão foi desenvolvido no Rio de Janeiro pela Professora Karina Kuschnir
entre os anos de 1995 e 1996. Nesse período, a pesquisadora esteve em campo aproximadamente
por 100 dias não consecutivos para acompanhar o dia a dia de dois candidatos à Câmara
de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro. O texto é interessante não só pelo
fato de descrever os bastidores de uma campanha eleitoral como também por
contribuir de forma bem objetiva para o aprendizado antropológico,
principalmente para o árduo exercício que é fazer trabalho de campo em uma
cidade como o Rio de Janeiro.
Karina
desejava observar dois candidatos, a escolha de um deles foi em função de já
ter feito um estudo anterior, durante seu mestrado, com a colaboração desse
candidato. O outro candidato escolhido para o estudo foi devido ao grande contraste
em relação ao perfil do primeiro candidato escolhido. A autora afirma que os
nomes citados são fictícios, entretanto o perfil dos candidatos foi descrito de
forma autêntica. Ambos os candidatos já exerciam função pública como
parlamentares na Câmara de vereadores e tentavam a reeleição.
O
candidato escolhido pela pesquisa precedente foi Marta Silveira, classificada
pela pesquisadora como uma pessoa que gosta de pensar e principalmente de falar
sobre seu próprio trabalho, alem disso, o perfil desta candidata faziam com que
a pesquisadora entrasse em contato com o “exótico”, pois a realidade entre a
pesquisadora e a candidata eram bem distintas. Já o candidato Ricardo Alves,
que era antagônico à Marta Silveira fazia a pesquisadora exercitar o trabalho
antropológico de estranhamento do familiar, pois as realidades vivenciadas por Ricardo
eram muito próximas das realidades pela pesquisadora. Analisando esses opostos,
a pesquisadora esperava relativizar o material da pesquisa contrastando ambos os
estilos de atuação em uma campanha eleitoral.
Pelo
fato de compartilhar semelhanças com um dos candidatos, a autora deixa como
lição antropológica que é preciso afastar todas as pré-noções quando se deseja
estudar aquilo que faz parte do cotidiano, principalmente quando se estuda um
tema tão acessível como a política em uma grande cidade. Destarte, ele cita que
desde o início da pesquisa se esforçou para não deixar que seus valores
pudessem influenciar o resultado da pesquisa.
Durante
o desenvolvimento da pesquisa, Karina reafirma que há uma grande diferença
social entre ela, pesquisadora, e o campo de atuação política de Marta
Silveira. Marta que seguia os passos de seu pai praticava um trabalho de “assistência”
aos eleitores, ela sempre atendia pessoalmente aos eleitores, o que jamais foi
percebido no trabalho de Ricardo Alves. Marta atuava no subúrbio enquanto
Ricardo atuava exclusivamente na Zona Sul do Rio de Janeiro, uma área habitada
quase que exclusivamente pela elite carioca. Antes do início da pesquisa,
Karina só havia estado no subúrbio por uma única vez, acompanhando uma amiga que
visitava a avó. Enquanto que a Zona Sul fazia parte de sua vida, pois desde criança
morava na região. Essa posição chegou a causar problema durante a pesquisa,
principalmente nas ocasiões em que Karina acompanhava o trabalho de Marta no
subúrbio. Já no trato com os assessores de Ricardo Alves não houve problema,
pois estes a tratavam como alguém que compartilhava dos mesmos valores. Esse
ponto criava a necessidade da pesquisadora explicar aos assessores de Ricardo
que ela não conhecia tal prática ou pessoa em questão para não prejudicar a
atuação antropológica. Em muitas ocasiões os assessores de Ricardo achavam que
as identidades deles e da pesquisadora tinham vários pontos em comum, esse fato
dificultava o trabalho antropológico.
Por
outro lado, foram várias as ocasiões em que a pesquisadora se viu constrangida
pela diferença social entre ela e os agentes do subúrbio. Situações que
envolviam o uso de automóvel ou as relações matrimoniais eram bem distintas
entre as praticadas pela pesquisadora e por aqueles moradores do subúrbio. Por
vezes a pesquisadora se comportou como uma não-nativa, cujo olhar não via
aquilo que os nativos viam. Em uma ocasião, a Karina foi convidada a participar
de um baile destinado a pessoas da terceira idade, ao chegar a festa a
pesquisadora foi surpreendida pela presença maciça de pessoas com
aproximadamente 40 anos. Nesse ponto fica claro que em comunidades mais
carentes, onde a vida é notoriamente mais árdua quando comparada a vida de
pessoas de classe média, seja pela falta de saneamento, pela falta de consciência
higiênica, ou por desenvolver atividades mais fatigantes, que a terceira idade
chega mais cedo. Não só fisicamente as pessoas aparentam ser mais velhas como
também apresentam doenças mais prematuramente do que pessoas de outras classes
mais ricas. É um fato que a diferença social acarreta menos tempo de vida para
os mais pobres. Uma classe social mais alta acaba tendo uma longevidade maior
do que as classes mais pobres, mas esta conclusão não está no texto de Karina,
foram inseridas por mim ao analisar os casos.
Retomando
o raciocínio de Karina, poderíamos dizer que o universo do candidato Ricardo
Alves era o “familiar” enquanto o de Marta Silveira era o “exótico” dentro da
mesma cidade da pesquisadora. Contudo, no decorrer da pesquisa, Karina percebe
que há “familiaridades” com o universo de Marte e que também há “exotismos” com
o universo de Ricardo. Mas Karina deixa
bem claro que por achar que era praticamente uma “nativa” quando estava no
estudo do ambiente de Ricardo foi um problema, pois algumas vezes ela assumiu
pontos de vista equivocados a respeito das observações que fazia. Ela ressalta
que o pressuposto de que Ricardo Alves sempre lhe falava abertamente sobre tudo
a fez subestimar a importância do uso de suas relações para ter influência
sobre as decisões de órgãos públicos e junto á mídia.
Em sua
pesquisa, Karina identifica entre outras coisas que o principal motivo de
deslocamento das pessoas do subúrbio para a Zona Sul tem a ver com o estudo e
com as atividades de lazer. Assim, Karina percebeu que conhecia muito mias
moradores do subúrbio do que imaginava. Pessoas que frequentavam o escritório
de seu pai, alunos, prestadores de serviço, acabavam por revelar sua identidade
após reconhecerem Karina como uma pessoa que pesquisava o subúrbio. Sobre
Ricardo, as pessoas do convívio de Karina também manifestavam interesse, pois
eram possíveis eleitores de Ricardo e gostariam de sabem mais sobre o parlamentar
e como era de costume jamais haviam tido contato pessoal com políticos fato que
destoava das práticas políticas do subúrbio. Em certa ocasião promovida pela
agenda de campanha do candidato da Zona Sul, Karina acompanhou seu comitê a uma
festa em que os assessores de Ricardo presenteavam a comunidade carente com
brindes da campanha. Nessa situação, ficou claro para Karina que o contato com
as classes mais baixas era um fato inusitado, pois uma das assessoras de
Ricardo deixou transparecer sua euforia pelo contato escasso com tais pessoas.
A
pesquisadora se sentiu em um “rito de passagem”, pois muitas vezes foi colocada
a prova pelos assessores de Marta, contudo, a medida em que o tempo passava,
Karina foi conquistando a confiança dos assessores que passaram a trata-la com
mais simpatia e por fim sua presença já não incomodava mais a ponto de efetuar
algumas atividades de gabinete que eram em princípio atividade dos assessores
de Marta, fato que ocorreu por ser intimidada e questionada por ficar tanto
tempo presente sem “fazer nada”, como se o trabalho de campo não fosse alguma
coisa.
Karina
participou de diversos encontros de Ricardo com “comunidades”, associações de
moradores e grupos diversos. Sempre que era apresentada por Ricardo, Karina
ganhava status de uma pessoa integrante da equipe de Ricardo. Fato que foi
explicado por Ricardo como sendo mais cômodo, pois a presença de uma
antropóloga/pesquisadora poderia intimidar as pessoas. A preocupação de Ricardo
em disfarçar a identidade de Karina ficou mais em evidência pelo fato de Marta
agir exatamente ao contrário. Marta não só apresentava Karina como uma
pesquisadora como em uma oportunidade arriscou explicar aos eleitores presentes
em um comício o trabalho de um antropólogo, deixando bem claro que a
pesquisadora estava ali para observar todo referente a vida e ao trabalho da
parlamentar. O prestígio era um elemto importante para Marta Silveira, a
pesquisa era importante não apenas porque Karina estava estudando a trajetória
e a vida pública da parlamentar, mas também porque mostrava que Marta não tinha
o que esconder por isso a parlamentar disse algumas vezes que a pesquisadora
estaria “bisbilhotando” sua vida. Esse era um jeito de Marta se diferenciar da
classe política quase sempre associada a práticas desonestas e em geral
negativas.
Como
qualquer atitude ou qualquer palavra pode fazer diferença em uma disputa
eleitoral, Karina procurou filtrar as informações obtidas em depoimentos feitos
pelos assessores de ambos os candidatos. Karina ressalta que foi necessário
deixar de lado depoimentos sobre intrigas e estereótipos claramente criados
para encorpara o perfil dos parlamentares. A pesquisadora afirma que a falta de
consenso existe em todos os grupos sociais, as vezes simultaneamente na mesma
pessoa, e é importante o pesquisador explorar as duas atitudes, sem buscar uma
crença mais “autêntica” ou “ verdadeira”.
Karina
afirma, pautada nas palavras de Anselm Strauss, que por mais que existam certas
condições sociais dadas, é no imponderável da própria interação que se
constroem, se testam e se confirmam as identidades. No casa do Karina, foram as
longas entrevistas que contribuíram para compreender esse processo. Segundo a
pesquisadora, ela tentou manter sua independência de pesquisadora sem deixar de
se relacionar de forma amigável com todos, cooperando em situações do cotidiano
sempre que possível. Karina procurou relacionar as diferenças entre as opiniões
individuais com a posição ocupada pelos indivíduos dentro do grupo, como
recomenda Malinowski na obra “Tema, método e objetivo da pesquisa”.
Karina
revela que para obter informações sobre os bastidores da política teve que
abrir mão de certos dados que seriam enriquecedores para a pesquisa. Ressalta
também que ocorre uma metamorfose durante a realização da pesquisa e sua
identidade variou entre “estudante”, “assessora”, “pesquisadora” e “eleitora”,
mas que por fim, havia aprendido um pouco mais o que era fazer antropologia.
Por hora é isso, aguardem a continuação deste pensamento no texto Política, cultura e espaço urbano que será postado em breve.
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