terça-feira, 31 de julho de 2012

Resenha de “Uma Pesquisadora na Metrópole”




Uma introdução ao cotidiano político
a partir do ensaio antropológico 
 de Karina Kuschnir.



O texto em questão foi desenvolvido no Rio de Janeiro pela Professora Karina Kuschnir entre os anos de 1995 e 1996. Nesse período, a pesquisadora esteve em campo aproximadamente por 100 dias não consecutivos para acompanhar o dia a dia de dois candidatos à Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro. O texto é interessante não só pelo fato de descrever os bastidores de uma campanha eleitoral como também por contribuir de forma bem objetiva para o aprendizado antropológico, principalmente para o árduo exercício que é fazer trabalho de campo em uma cidade como o Rio de Janeiro.
Karina desejava observar dois candidatos, a escolha de um deles foi em função de já ter feito um estudo anterior, durante seu mestrado, com a colaboração desse candidato. O outro candidato escolhido para o estudo foi devido ao grande contraste em relação ao perfil do primeiro candidato escolhido. A autora afirma que os nomes citados são fictícios, entretanto o perfil dos candidatos foi descrito de forma autêntica. Ambos os candidatos já exerciam função pública como parlamentares na Câmara de vereadores e tentavam a reeleição.
O candidato escolhido pela pesquisa precedente foi Marta Silveira, classificada pela pesquisadora como uma pessoa que gosta de pensar e principalmente de falar sobre seu próprio trabalho, alem disso, o perfil desta candidata faziam com que a pesquisadora entrasse em contato com o “exótico”, pois a realidade entre a pesquisadora e a candidata eram bem distintas. Já o candidato Ricardo Alves, que era antagônico à Marta Silveira fazia a pesquisadora exercitar o trabalho antropológico de estranhamento do familiar, pois as realidades vivenciadas por Ricardo eram muito próximas das realidades pela pesquisadora. Analisando esses opostos, a pesquisadora esperava relativizar o material da pesquisa contrastando ambos os estilos de atuação em uma campanha eleitoral.
Pelo fato de compartilhar semelhanças com um dos candidatos, a autora deixa como lição antropológica que é preciso afastar todas as pré-noções quando se deseja estudar aquilo que faz parte do cotidiano, principalmente quando se estuda um tema tão acessível como a política em uma grande cidade. Destarte, ele cita que desde o início da pesquisa se esforçou para não deixar que seus valores pudessem influenciar o resultado da pesquisa.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, Karina reafirma que há uma grande diferença social entre ela, pesquisadora, e o campo de atuação política de Marta Silveira. Marta que seguia os passos de seu pai praticava um trabalho de “assistência” aos eleitores, ela sempre atendia pessoalmente aos eleitores, o que jamais foi percebido no trabalho de Ricardo Alves. Marta atuava no subúrbio enquanto Ricardo atuava exclusivamente na Zona Sul do Rio de Janeiro, uma área habitada quase que exclusivamente pela elite carioca. Antes do início da pesquisa, Karina só havia estado no subúrbio por uma única vez, acompanhando uma amiga que visitava a avó. Enquanto que a Zona Sul fazia parte de sua vida, pois desde criança morava na região. Essa posição chegou a causar problema durante a pesquisa, principalmente nas ocasiões em que Karina acompanhava o trabalho de Marta no subúrbio. Já no trato com os assessores de Ricardo Alves não houve problema, pois estes a tratavam como alguém que compartilhava dos mesmos valores. Esse ponto criava a necessidade da pesquisadora explicar aos assessores de Ricardo que ela não conhecia tal prática ou pessoa em questão para não prejudicar a atuação antropológica. Em muitas ocasiões os assessores de Ricardo achavam que as identidades deles e da pesquisadora tinham vários pontos em comum, esse fato dificultava o trabalho antropológico.
Por outro lado, foram várias as ocasiões em que a pesquisadora se viu constrangida pela diferença social entre ela e os agentes do subúrbio. Situações que envolviam o uso de automóvel ou as relações matrimoniais eram bem distintas entre as praticadas pela pesquisadora e por aqueles moradores do subúrbio. Por vezes a pesquisadora se comportou como uma não-nativa, cujo olhar não via aquilo que os nativos viam. Em uma ocasião, a Karina foi convidada a participar de um baile destinado a pessoas da terceira idade, ao chegar a festa a pesquisadora foi surpreendida pela presença maciça de pessoas com aproximadamente 40 anos. Nesse ponto fica claro que em comunidades mais carentes, onde a vida é notoriamente mais árdua quando comparada a vida de pessoas de classe média, seja pela falta de saneamento, pela falta de consciência higiênica, ou por desenvolver atividades mais fatigantes, que a terceira idade chega mais cedo. Não só fisicamente as pessoas aparentam ser mais velhas como também apresentam doenças mais prematuramente do que pessoas de outras classes mais ricas. É um fato que a diferença social acarreta menos tempo de vida para os mais pobres. Uma classe social mais alta acaba tendo uma longevidade maior do que as classes mais pobres, mas esta conclusão não está no texto de Karina, foram inseridas por mim ao analisar os casos.
Retomando o raciocínio de Karina, poderíamos dizer que o universo do candidato Ricardo Alves era o “familiar” enquanto o de Marta Silveira era o “exótico” dentro da mesma cidade da pesquisadora. Contudo, no decorrer da pesquisa, Karina percebe que há “familiaridades” com o universo de Marte e que também há “exotismos” com o universo de Ricardo.  Mas Karina deixa bem claro que por achar que era praticamente uma “nativa” quando estava no estudo do ambiente de Ricardo foi um problema, pois algumas vezes ela assumiu pontos de vista equivocados a respeito das observações que fazia. Ela ressalta que o pressuposto de que Ricardo Alves sempre lhe falava abertamente sobre tudo a fez subestimar a importância do uso de suas relações para ter influência sobre as decisões de órgãos públicos e junto á mídia.
Em sua pesquisa, Karina identifica entre outras coisas que o principal motivo de deslocamento das pessoas do subúrbio para a Zona Sul tem a ver com o estudo e com as atividades de lazer. Assim, Karina percebeu que conhecia muito mias moradores do subúrbio do que imaginava. Pessoas que frequentavam o escritório de seu pai, alunos, prestadores de serviço, acabavam por revelar sua identidade após reconhecerem Karina como uma pessoa que pesquisava o subúrbio. Sobre Ricardo, as pessoas do convívio de Karina também manifestavam interesse, pois eram possíveis eleitores de Ricardo e gostariam de sabem mais sobre o parlamentar e como era de costume jamais haviam tido contato pessoal com políticos fato que destoava das práticas políticas do subúrbio. Em certa ocasião promovida pela agenda de campanha do candidato da Zona Sul, Karina acompanhou seu comitê a uma festa em que os assessores de Ricardo presenteavam a comunidade carente com brindes da campanha. Nessa situação, ficou claro para Karina que o contato com as classes mais baixas era um fato inusitado, pois uma das assessoras de Ricardo deixou transparecer sua euforia pelo contato escasso com tais pessoas.
A pesquisadora se sentiu em um “rito de passagem”, pois muitas vezes foi colocada a prova pelos assessores de Marta, contudo, a medida em que o tempo passava, Karina foi conquistando a confiança dos assessores que passaram a trata-la com mais simpatia e por fim sua presença já não incomodava mais a ponto de efetuar algumas atividades de gabinete que eram em princípio atividade dos assessores de Marta, fato que ocorreu por ser intimidada e questionada por ficar tanto tempo presente sem “fazer nada”, como se o trabalho de campo não fosse alguma coisa.
Karina participou de diversos encontros de Ricardo com “comunidades”, associações de moradores e grupos diversos. Sempre que era apresentada por Ricardo, Karina ganhava status de uma pessoa integrante da equipe de Ricardo. Fato que foi explicado por Ricardo como sendo mais cômodo, pois a presença de uma antropóloga/pesquisadora poderia intimidar as pessoas. A preocupação de Ricardo em disfarçar a identidade de Karina ficou mais em evidência pelo fato de Marta agir exatamente ao contrário. Marta não só apresentava Karina como uma pesquisadora como em uma oportunidade arriscou explicar aos eleitores presentes em um comício o trabalho de um antropólogo, deixando bem claro que a pesquisadora estava ali para observar todo referente a vida e ao trabalho da parlamentar. O prestígio era um elemto importante para Marta Silveira, a pesquisa era importante não apenas porque Karina estava estudando a trajetória e a vida pública da parlamentar, mas também porque mostrava que Marta não tinha o que esconder por isso a parlamentar disse algumas vezes que a pesquisadora estaria “bisbilhotando” sua vida. Esse era um jeito de Marta se diferenciar da classe política quase sempre associada a práticas desonestas e em geral negativas.
Como qualquer atitude ou qualquer palavra pode fazer diferença em uma disputa eleitoral, Karina procurou filtrar as informações obtidas em depoimentos feitos pelos assessores de ambos os candidatos. Karina ressalta que foi necessário deixar de lado depoimentos sobre intrigas e estereótipos claramente criados para encorpara o perfil dos parlamentares. A pesquisadora afirma que a falta de consenso existe em todos os grupos sociais, as vezes simultaneamente na mesma pessoa, e é importante o pesquisador explorar as duas atitudes, sem buscar uma crença mais “autêntica” ou “ verdadeira”.
Karina afirma, pautada nas palavras de Anselm Strauss, que por mais que existam certas condições sociais dadas, é no imponderável da própria interação que se constroem, se testam e se confirmam as identidades. No casa do Karina, foram as longas entrevistas que contribuíram para compreender esse processo. Segundo a pesquisadora, ela tentou manter sua independência de pesquisadora sem deixar de se relacionar de forma amigável com todos, cooperando em situações do cotidiano sempre que possível. Karina procurou relacionar as diferenças entre as opiniões individuais com a posição ocupada pelos indivíduos dentro do grupo, como recomenda Malinowski na obra “Tema, método e objetivo da pesquisa”.
          Karina revela que para obter informações sobre os bastidores da política teve que abrir mão de certos dados que seriam enriquecedores para a pesquisa. Ressalta também que ocorre uma metamorfose durante a realização da pesquisa e sua identidade variou entre “estudante”, “assessora”, “pesquisadora” e “eleitora”, mas que por fim, havia aprendido um pouco mais o que era fazer antropologia.

              Por hora é isso, aguardem a continuação deste pensamento no texto Política, cultura e espaço urbano que será postado em breve.

Um grande abraço e boas indagações.

Um comentário:

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