terça-feira, 22 de maio de 2012

Resenha de “O direito de ter ou não direitos"




A dimensão moral do reconhecimento de uma identidade na promoção da cidadania”. 
 
Um texto de Fábio Mota e Letícia Freire.



O texto de Fábio Mota e Letícia Freire aborda a questão do reconhecimento da identidade ou sua desconsideração por parte dos agentes públicos no tocante ao direito dos indivíduos em face de uma possível diferenciação no julgamento dos casos, dependendo da posição ocupada pelo sujeito no momento da negociação. Para isso, os autores citam duas situações etnográficas em que os sujeitos se encontram em conflito com o Estado que deseja promover uma intervenção urbanística no local ocupado pela residência dos atores em questão. Distanciando-se do objetivo de julgar o mérito da questão, os autores se propõem apenas a analisar em que medida a atribuição de identidades vincula-se à garantia ou não dos direitos de cidadania.
De acordo com os autores, em países como o Brasil, onde vigoram regimes autoritários na história republicana, a cidadania tornou-se um instrumento semântico e discursivo eficaz na esfera e no espaço público. O cidadão tornou-se algo particularmente relevante enquanto critério de constituição de uma identidade pública, todavia, a cidadania se reveste de conteúdos simbólicos que se constituem a partir da noção de igualdade e liberdade vinculada aos exemplos dos países liberais como Estados Unidos e França, pautados na igualdade de direitos dos cidadãos no que se refere ao acesso à justiça. Entretanto os autores afirmam que a cidadania brasileira está pautada em concepções hierárquicas, não se caracterizando como universal, pelo contrário, produzindo desigualdades e distinguindo cidadãos e não cidadãos.
As situações etnográficas citadas pelos autores envolvem a atuação do Estado, solicitando a desapropriação de famílias em determinadas regiões. Um dos casos envolve a desapropriação de uma moradora da favela de Acari com o pretexto de integrar a favela à cidade por meio de obras de infraestrutura urbana, o que tornava necessário a remoção da residência da moradora. O outro caso é protagonizado pela ação da Marinha contra uma comunidade de pescadores que em sua maioria residem ali desde o século XIX e descendem dos escravos de um importante Comendador da época.
No primeiro caso, a moradora da favela, apesar de resistir à desapropriação, foi vencida pelo poder do Estado e teve que aceitar a indenização oferecida que além de não representar o preço real investido no imóvel pela moradora, não era suficiente para que a indenizada efetuasse a compra de outro imóvel semelhante ao desapropriado em outra região da cidade. De acordo com os autores, a atitude autoritária do Estado concretizou um ato de desconsideração com a moradora. Na medida em que a moradora tinha apenas uma identidade inferiorizada de “moradora de favela”, ela não foi reconhecida como sujeito, detentor de direitos inalienáveis que devem ser guardados.
No segundo caso, também sem sucesso aparente, o desenrolar da negociação foi muito diferente a partir do momento em que os moradores acionados pela Marinha recorreram à identidade de descendentes de escravos, o que permitiu que o caso tivesse uma visibilidade positiva perante a sociedade, permitindo ao menos que a residência não fosse demolida, o que não ocorrei com a moradora da favela citada anteriormente.
Para os autores, os dois casos nos permitem refletir sobre a questão da igualdade e da liberdade do modelo democrático liberal, onde todos são diferentes, porém, juridicamente iguais. Analisando as duas situações, fica claro que o direito é concedido a todos, entretanto, apenas aqueles mais informados podem desfrutar dessas possibilidades. Os dois casos demonstram como as práticas e os princípios democráticos são atualizados e reatualizados diante das circunstâncias e dos quadros sociais que definem o princípio da justiça. Dessa forma, a aquisição de uma identidade legitimada pela esfera pública permite a aquisição de novos papéis sociais. A atribuição de categorias sociais representadas como moralmente inferiores no espaço público determina o reconhecimento ou não dos direitos dos indivíduos.
Nos casos citados, a moradora da Favela de acari, que teve sua casa demolida, teve apenas o direito de não ter direitos pela sua identidade inferiorizada de simples moradora de favela, enquanto que no caso da moradora descendente de escravos, ao reinvidicar sua identidade de quilombola, parou, pelo menos provisoriamente, as tentativas de remoção de sua residência, garantindo-lhe assim o direito de ter algum direito.
O texto de Fábio Reis e Letícia Freire mostra claramente as desigualdades existentes em nosso cotidiano, assim como a hierarquização que ainda impera em nossa sociedade. A partir dessa exposição feita pelos autores, é possível refletir sobre outros assuntos que também envolvem o reconhecimento de identidades e até que ponto essa identidade interfere nas relações sociais e principalmente judiciais presentes em nosso cotidiano. O texto proporciona uma reflexão sobre até que ponto o reconhecimento de uma identidade modifica as relações sociais e até matérias entre os indivíduos, como são delineados os mecanismos de determinação dessa identidade e ainda as formas de comprovação da legitimidade dessa identidade. Enfim, um texto interessante e importante para o entendimento de algumas das formas de relação social existente em nossa sociedade.

2 comentários:

  1. Adorei o blog Rodrigo!! nem sabia que você tinha! Tem que divulgar mais entre a galera da faculdade. Poxa estou fazendo um site pra nossa turma, se puder contribuir com uma de suas resenhas pra lá iria ser bom!

    abraços!

    http://baseifcs.webnode.com/

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    Respostas
    1. Oi Bia,

      Muito obrigado.

      por acaso ou não, vi seu blog esta manhã, pois o Rafael me indicou.

      Acho que é uma boa ideia para trocarmos experiência e informação.

      Obrigado por me convidar para postar alguma coisa lá. Será um prazer colaborar.

      Bjs

      Rodrigo

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