"O debate que não houve”.
Um texto de Yvonne Maggie e Peter Fry.
O texto de Yvonne Maggie e Peter Fry aborda a questão da reserva de vagas destinadas à negros nas Universidades e no Funcionalismo Público. Utilizando citações de cartas enviadas à redação do Jornal O Globo, do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 2001 e 2002, os autores fortalecem a corrente de pensamento que é contra tal política.
O texto ressalta que o governo brasileiro mudou radicalmente de postura perante a questão racial ao encaminhar uma proposta de “Ações Afirmativas” em favor da população Afrodescendente, à III Conferência Mundial das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, que aconteceu em Durban, África do Sul, em 2001.
Segundo os autores, as medidas pós Durban, ao proporem ações afirmativas em prol da população negra, rompem não só com o a-racismo e o anti-racismo tradicionais do país, como também com a forte ideologia que define o Brasil como um país de mistura, ou, como preferiria Gilberto Freyre, do hibridismo. (Maggie, Y e Fry, P. 2002, p.94)
De acordo com as citações presentes no texto, que foram advindas de cartas enviadas ao Jornal O Globo, aqueles que se pronunciaram em favor das ações afirmativas, se apoiaram na negação da igualdade entre todos. Estes sugerem que tratar todos como iguais é uma forma cínica de lidar com o problema. Em contrapartida, aqueles que se pronunciaram contra as ações afirmativas, julgam a atitude como uma Política de Estado, que contrariou a premissa democrática e se instaurou hierarquicamente de cima para baixo.
Na opinião dos autores, que são contra as ações afirmativas, a falta de debate público anterior à decisão, impediu que se pudesse verificar se houve ou não uma mudança radical no Brasil desde a constituição de 1988 até 2001, onde o Brasil sempre fora uma Nação de “Raças Misturadas” e passou a ser uma Nação de “Raças Distintas”, que se segregariam em dois polos, os brancos e os não-brancos.
Para a elaboração do texto, os autores levaram em consideração cartas enviadas pelos leitores entre os anos de 2001 e 2002, período em que a Assembléia dos Deputados do Estado do Rio de Janeiro aprovou, por aclamação, portanto, sem debate, a lei que instituiu cota de 40% para populações negras e pardas no acesso à Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e para a Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Na opinião dos autores, levar em conta as cartas dos leitores representava extrapolar os muros das universidades aproveitando a opinião dos próprios “nativos”, algo que na tradição da nossa Antropologia deve ser realmente considerado.
Alguns argumentos contra a política de ações afirmativas ressaltavam que a discriminação, mesmo positivamente, é uma forma de racismo e corre contra a tradição brasileira. (op. cit. p 97). Assim, para os autores, o sistema de cotas representa uma vitória da taxonomia bipolar sobre a velha taxonomia de muitas categorias. (op. cit. p 98) Ainda tiveram os que argumentaram que as desigualdades entre brancos e negros é, sobretudo, uma questão econômica, que resulta da falta de oportunidades para os pobres em geral e a solução estaria na melhoria do ensino público, principalmente nas periferias.( op. cit. p 100)
Do contrário, a lei privilegiará os negros mais bem preparados em função da sua melhor condição econômica e que não precisam das cotas. Dessa maneira, a cota para negros discrimina o branco que é pobre, pois o branco com recursos financeiros não terá dificuldade de alcançar seus objetivos, enquanto que o branco pobre, que também não teve acesso a escolas de qualidade, terá a oferta de vagas ainda mais restrita a partir da reserva de vagas somente para os negros.
Os autores do texto não estão certos de que seja possível corrigir séculos de desigualdades de qualquer ordem, seja racial ou não, por meio de uma política de cotas que representa custo zero para o Estado. (op. cit. p 106) Para eles, a iniciativa dos governantes de abandonar bruscamente um projeto nacional de melhoria na qualidade do ensino, que certamente envolvia custos representativos para o governo, em prol de cotas raciais representa um retrocesso no país.
De acordo com os autores, iniciativas de ação afirmativas oriundas na sociedade civil produzem consequências para todos e por isso deveriam ser amplamente discutidas e nunca impostas como vem ocorrendo. E nesse ponto tenho que concordar que promover a instalação de escolas de qualidade em diversos pontos da periferia propiciaria mais oportunidades para aqueles que são mais pobres e que residem espacialmente distante dos grandes centros, o que, obrigatoriamente, atingiria beneficamente não só os negros, que são majoritariamente mais pobres, como também beneficiaria aqueles brancos que igualmente pobres, não têm condições de acessar uma universidade devido ao baixo nível de escolarização que esteve disponível para as classes menos abastadas nas últimas décadas.
O texto é extremamente importante para a formação de uma opinião acerca da política de ações afirmativas implementada para beneficiar a população negra, entretanto não se exclui a necessidade de sabermos outras opiniões sobre tal situação.
Referência Bibliográfica.
MAGGIE, Yvonne e FRY, Peter. (2002) O debate que não houve. A reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras. In: Enfoques-Revista Eletrônica. Rio de Janeiro. v. 1 n. 1. pp. 93-117. Disponível em:<http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br/pdfs/2002-DEZ.pdf>
Olá, talvez com um pouco de atraso, gostaria de chamar a atenção para dois aspectos que não foram tocados na época em que se discutiu, pouco, sem dúvida, a implementação das políticas de cotas. Primeiro, entendo que o principal vetor deveria ser, não o acesso à universidade e sim a negrofobia universitária (luta de classes/poder simbólico). Por que os campi, à época, eram quase que totalmente brancos? Isso puxaria o fio da meada da conformação dos equipamentos estruturantes da produção simbólica do país, não dá para dizer nacional, na forma como indicou José Bonifácio, nos idos da Independência, que aconselhou à Assembléia a abolição da escravatura e a concessão da cidadania a negros e índios, que formariam a população necessária ao desenvolvimento industrial de uma nação, agora sim, mestiça.
ResponderExcluirA professora Maria Lúcia Rodrigues (UFMT), em sua dissertação ou tese (?!) de pós-graduação, demonstrou a presença de negros nas escolas do Distrito Federal no século XIX, inclusive professoras, que com o advento da abolição e da República, principalmente depois da ação parlamentar do Senador Vergueiro, foram substituídas pelas imigrantes egressas da política oficial de branqueamento.
Decorre disso, e é o segundo ponto, que diante da iminência da exposição da branquitude dos campi, a universidade se viu despida e tomou a bandeira das cotas, que varreu o sistema universitário como um dominó. É o tal negócio, concessão é diferente de conquista. Mas isto está, de certo modo, totalmente com a perspectiva histórica brasileira, cuja tradição não vai a fundo na discussão e na prática de avanços sociais. Obrigado!
Grande Tadeu, obrigado pela colaboração!
ExcluirNunca é tardia!
Sinto muito, mas não tenho condiçōes de opinar sobre o assunto. Espero que em breve, eu consiga imitir uma opinião. Tentarei reler seu comentário e mais alguns textos para ajudar mesta análise!
Grande abraço
Rodrigo Dias