sábado, 24 de novembro de 2012

Microfísica do Poder - Michel Foucault




 Novidades no Blog!

Com pouco mais de 6 meses no ar, o Blog Sociologia e Antropologia despertou o interesse de algumas pessoas, haja vista o número de visitantes que está disponível no rodapé do site.

Uma das consequências dessa exposição foi o recebimento de resenhas escritas por outras pessoas que estavam interessadas em colaborar com o blog.

Pois aí está a primeira contribuição escolhida.

A autora é Panmila Provietti, aluna do curso de Ciências Sociais da UFRJ e ela disserta sobre um dos principais trabalhos de Foucault.

Boa leitura a todos!
 



O livro “Microfísica do Poder” de Foucault aborda o relacionamento entre “Soberania, Disciplina” e “Governamentalidade”.
Nesta obra, Foucault avalia a teoria do pensamento jurídico que na idade média girava em torno do poder do rei e o direito como um instrumento da dominação do rei sobre os súditos.
Ao abordar a questão do poder e como este se aplica na sociedade, Foucault afirma que o poder está em todo lugar e este se baseia em saberes e discursos. Esses discursos tem como funções legitimar os direitos da soberania e legitimar a obrigação de obediência.
O autor quer analisar o direito como instrumento da dominação, não nas esferas filosóficas, mas nos níveis elementares da sociedade, como instituições locais e regionais. Também se pretende analisar de forma objetiva, visando seus objetos, seus alvos e campo de aplicação. Foucault não pretende analisar a alma central – o Estado, mas os corpos – na idade média os súditos, que sofrem o efeito do poder.
O poder não é homogêneo, segundo Foucault, e não pode ser apropriado como um bem. O poder funciona e se exerce em rede, não se aplica aos indivíduos, passa por eles, pois se encontra no meio dos saberes.
Para Foucault o poder não está constituído de ideologias, mas de um conjunto de técnicas que foram se refinando como uma ciência de forma a alcançar os objetivos do poder que é a dominação.
Foucault faz uma relação com “O Príncipe” de Maquiavel, onde as ações dos governantes para adquirir poder se dava através de conquistas territoriais, cargos doados pela Igreja ou por herança. Não há uma relação entre o príncipe e seu principado, fazendo com que este governante fique constantemente ameaçado por inimigos que querem tomar o poder e por seus súditos que não aceitam sua soberania. Para Foucault é preciso dominar a arte de governar onde, La Mothe Le Vayer (1588-1672) indica que esta arte se dá por uma continuidade ascendente e outra descendente entre o governo moral de si mesmo, o governo econômico da família e o governo político do Estado. Ascendente, porque quem quiser governar o Estado, primeiro precisa saber governar a si próprio e sua família.
E descendente, visto que, governantes que governam bem um Estado, também governarão adequadamente suas famílias, seus bens e propriedades.
É preciso segundo Foucault prestar a atenção e adquirir um controle no e sobre o cotidiano dos indivíduos, seus costumes, hábitos e maneira de pensar. E não mais somente no controle de território como propõe Maquiavel.
Nos meados do século XVIII surge um novo mecanismo de poder, que se opõe ao da teoria da soberania. Esse novo mecanismo de poder extrai dos indivíduos tempo e trabalho, e não mais bens e riquezas. Contém uma vigilância e atuação continua, indicando aos homens como se comportarem.
Nesse novo mecanismo o Estado não é um poder central para poder discutir politicamente na modernidade, este é tão importante quanto às outras instituições – escolas, família, fábrica, etc. e o crescimento deste se dá junto com a arte de governar, ou seja, com o controle das ações dos indivíduos.
Essas instituições - escolas, família, fábrica, etc. possuem força no saber e institui um controle sobre a sociedade, seja na vigilância hierárquica (em escolas, por exemplo, onde inspetores vigiam alunos), em uma sanção normalizadora ou através de exames, onde estamos a todo o momento sendo examinados (nas fabricas quem está bem e quem está mal; nas escolas através de aplicações de provas).
O poder está em todo lugar e não se concentra somente no Estado. O Estado, segundo Foucault, é só mais uma instituição e segue o caminho da sociedade geral.
O poder está em todo lugar e se baseia em saberes e discursos. Esses discursos mudam a cada época e todos nós estamos envolvidos nesses sistemas de discursos.
Segundo Foucault esses discursos definem procedimentos de exclusão, pois vai determinar quem pode e quem não pode falar sobre determinado assunto e o que pode e o que não pode ser falado.
Segundo Foucault a ideia é corrigir “humanizar” esse individuo para que ele possa voltar a viver em sociedade. Podemos citar como exemplo um presídio, onde presos recebem acompanhamento psicológico, psiquiátrico, de um assistente social, etc., tentando a todo instante humanizar esse indivíduo para que este possa voltar a ter convívio de acordo com as regras. Tal ato não indica uma liberdade, indica um controle maior sobre os indivíduos. O que ocorre nos presídios ocorre na sociedade e em suas instituições como escola, fábrica, família, etc. que indicam a todo instante como devemos agir e nos comportar.
Haverá segundo Foucault sempre uma multiplicidade de discursos, fazendo com que a sociedade entre em choque. Não há uma coesão social, havendo sempre conflitos de ideias, de poderes e hierarquias. Segundo Foucault o mundo é desorganizado e nenhum grande discurso predomina na sociedade.

Panmila Provietti.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Resenha de Ieipari: Sacrifício e Vida entre os Índios Arara





Sacrifício e vida entre os Índios Arara



 Ieipari é um livro escrito originalmente como uma tese para obtenção do título de doutorado por Mármio Teixeira-Pinto, paulista, formado em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília e mestre pelo programa de Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ. Segundo o próprio Mármio, o tema central do livro, fora dos limites da academia, pode suscitar leituras e reações inesperadas, pois o sacrifício ritual de inimigos, a captura e o uso cerimonial de trofeus humanos, podem, aos olhos não iniciados, se apresentar como violência injustificável, mas que no estudo da cosmologia indígena pode ser mais bem interpretado.
A etnografia trata dos Arara, um povo pequeno, falante de uma língua de família Caribe, mas que se diferencia daquelas das regiões alto-xinguana e norte-amazônica. Ainda quase desconhecidos na literatura, os Arara tornaram-se famosos  na década de 1970 pela extrema resistência que opuseram às muitas tentativas de atração por parte da FUNAI. Desde o final dos anos de 1960, com suas terras sendo rasgada pelas obras de construção da rodovia Transamazônica os Arara passaram a oferecer resistência aos brancos de forma crescente e muitas vezes violenta. A guerra de tocaia e a captura de troféus humanos, práticas tradicionais nas muitas escaramuçadas inter-tribais que marcaram o interflúvio Tocantins-Tapajós-Xingú, agora faziam do branco um protagonista habitual dos combates e mortes rituais reservadas aos inimigos tradicionais.
Outro aspecto importante na personalidade dos Arara consiste na sua polidez e delicadeza com que lida no seu cotidiano. Face revelada posteriormente ao contato que se estendeu entre 1969 e 1987. Tanto a cortesia e a generosidade nos seus atos são tão marcantes quanto a forma brutal de concretizar seu ritual. Mármio Teixeira-Pinto procura descrever e analisar o contraste entre essa docilidade dos índios e as ações brutais associados aos rituais de captura e sacrifício. Entretanto, Mármio alerta que o livro se detém aos temas associados ao poste cerimonial ïpari, cuja intenção é apenas a de se compreender um povo ainda pouco conhecido na literatura especializada, não pretendendo estabelecer uma discussão teórica, nem mesmo em encerrar os Arara numa espécie de ficção particularista. O horizonte, segundo o próprio Mármio descreve, é puramente etnográfico: o troco ritual de ïpari e seu valor descritivo estratégico.
Segundo ele, os temas associados ao poste cerimonial permitem que muitas das questões levantadas pela etnologia recebam um tratamento local mais detalhado, mostrando que os valores éticos polares dos Arara são como fatores de agregação/atração ou dispersão /repulsão em relação ao socius. Neste sentido, mostrar-se-á que não há de fato uma marcação rígida que oponha de forma simples o interior e o exterior da sociedade, mas uma dinâmica bem mais complexa pela qual as relações sociais derivam de uma espécie de pacto ou contrato social definido como adesão voluntária dos seres.
Como quase todos os rituais Arara conhecidos, a cerimônia do poste ïpari, denominada Ieipari  ou a festa de Ieipari  , também se realiza durante a estação seca, o verão na Amazônia. Período do ano compreendido entre os meses de maio e outubro. A seca é a estação em que os Arara realizam as grandes caçadas coletivas que devem preceder as grandes festas. A cerimônia de ïpari é um rito de organização complexa, incluindo etapas e momentos diversos que transcendem o evento peculiar associado ao poste. As grandes reuniões Arara giram em torno das bebidas, das músicas e das carnes que os caçadores trazem, porém, cada um desses elementos, individualmente, pode estar associado a uma pequena festa, mas quando estão organizados juntamente, caracterizam uma grande reunião. Em outras palavras, é como se o caráter ritual das grandes reuniões se revelasse apenas nas propriedades rituais desse conjunto.
Associado tradicionalmente às partes dos corpos dos inimigos tomadas como troféus, o poste Ieipari  uma vez preparado, devia permanecer no centro da aldeia até que a madeira, já apodrecida, não mais sustentasse no seu topo a razão e o motivo de sua elaboração: o crânio ornamentado de um inimigo morto. A elaboração do poste Ieipari não se seguia imediatamente à morte de um prisioneiro: vários e diferentes momentos rituais ligados à guerra, à captura e à morte  um inimigo marcavam as etapas e os processos a que os troféus humanos estariam submetidos antes que Ieipari   pudesse ser levantado. o objetivo das operações de guerra podiam incluir, ou não, prisioneiros, mas estes jamais seriam levados com vida à aldeia. Idealmente capturado ainda vivo, ainda que mortalmente ferido, o inimigo seria segurado ou amarrado por um dos parceiros para que o outro pudesse flechá-lo. Além do coração, o fígado era normalmente um dos alvos que deveriam ser atingidos. Isso porque a visão Arara sobre os processos vitais prende o coração ao fígado: um como motor das substâncias que o outro produz ou transforma a partir do que ingere. Portanto, da energia que o coração faz circular, o fígado é a razão da força vital dos seres.
A morte de um inimigo deveria ser precedida, ou seguida, caso já fosse capturado moribundo, por um rito sumário que o preparasse para o seu esquartejamento posterior. Tudo se passava na mata, um inimigo só deveria entrar na aldeia como um troféu. Morto ou agonizante, o inimigo devia receber a mensagem a mensagem da música que o sentenciava a morte e a retaliação. Após a música, o infeliz era esquartejado: tiravam-lhe a cabeça, as mãos, os pés, as vísceras (Fígado e Coração). Idealmente, apenas dois parceiros davam destino à vítima: um segurava e o outro retalhava o corpo. Terminada a execução, aplicam-se aos parceiros apenas restrições de ordem sexual: matadores não podem ter relações sexuais com a própria esposa, mas devem ter com a esposa do parceiro que lhe ajudou a matar o inimigo. Isso porque a execução conjunta os igualava em substâncias, de forma que sangue e esperma de um seriam iguais a sangue e esperma de outro.
A música servia para duas coisas: resignar os matadores, colocando a culpa no inimigo que procurou a morte ao ficar andando por aí e para transferir o poder de matar da onça para os executores. O produto da execução do inimigo são as partes fracionadas do seu corpo. Das partes retalhadas, somente as mãos, os pés e a cabeça tinham proveito, todo o resto era desprezado na mata para que as feras devorassem. Os ossos das mãos e dos pés eram separados da carne e depois guardados sacolas de fibra ou viravam atrativos pessoais de executores ou de suas esposas. 

O crânio tinha um destino bem mais complexo. Com orifícios tapados por uma cera, maxilares atados por uma fibra de algodão, com uma taboca enfiada pelas ventas, o crânio se transformava num instrumento musical. Segundo Teixeira-Pinto, não certeza nos relatos, entretanto há indícios que o tocar esse instrumento serviria de remédio para os casos de enfermidade provenientes da caça do veado. Mas essa função era apenas transitória, pois depois de ressoar na música do veado, os crânios eram ornamentados tornavam a ter a figura de uma cabeça novamente. Sem a taquara nas ventas, com escalpo novamente e pintado adequadamente, o crânio estava pronta para o segundo estágio do ciclo ritual: a figuração ïpari no poste cerimonial. Transferido para o topo do poste cerimonial, o crânio do inimigo morto voltava então a ser cabeça de um personagem, ao redor do qual se organizaria nova celebração.

Daquele poste pelado, que então sobre o topo carrega o crânio decorado de um inimigo morto, contra o qual já tinham roçado a pelve, agora tomam as mulheres um filho. A frase que elas pronunciam depois de ingerirem a bebida é: “estou bebendo um filho... bebo um recém-nascido...” A cerimônia trata mesmo de trazer filhos aos Arara, pois na cosmologia dos Arara, a lama que se cimentou o poste é o sêmen de ïpari, a parte da casca que sobra do tronco depois de esfolado é seu pelo, esses pelos são da cabeça de uma criança que emana do sola, e como do solo que os vegetais extraem as substâncias que através das bebidas, serão transformadas em sêmen, que será transformado em gente.  
Depois de entrarem na aldeia pomposamente, os homens instalam o poste na cova devidamente preparada. A partir disso, o poste já é chamado ïpari, pois o termo de referência ao poste normalmente é Ieipari  , enquanto que o tratamento é ïpari. Então, os pais põem os filhos para acariciarem o poste em demonstração de carinho. Encontram, abraçam o tronco até que dois homens se aproximam com porretes e começam a surrá-lo enquanto dão risadas sarcásticas. Depois de esfolarem o poste e descascarem a partir de um palmo do chão, todos passam a se esfregar nele com certa volúpia, principalmente as mulheres. Depois da esfregação, o poste é lavado pelas mulheres e os homens começam a dançar ao redor dele.
Todos trazem bens e pertences para ornamentar o poste, enquanto o xamã traz o ornamento maior. O crânio decorado que depois de ser posicionado no alto do poste, recebe uma coroa de penas de araras vermelhas. No relato de Teixeira-Pinto,em todas as cerimônias que ele presenciou, o ornamento que foi posicionado no alto do poste havia sido construído em argila, mas os Arara garantiram que não haveria diferença caso possuíssem um troféu humano.
Os homens agora cantam e dançam para ïpari. Enquanto tocam diversas flautas, há uma sucessão de danças, revezados entre homens e mulheres. A sinfonia das flautas chega ao auge na alta madrugada. Quando a aurora se aproxima, é hora de preparar a chegada dos caçadores. Estes, trajando perucas de penas e saiotes de palha se aproximam por detrás das casas na companhia de suas mulheres e filhos. Eles envolvem o tronco cantando e dançando. Há também toda uma dinâmica que envolve um oferecimento de bebida, agenciado pelos laços de parentesco, para organizar a cosmologia da fertilidade Arara. Após sorverem doses significativas de bebida, os caçadores e suas famílias devem se retirar novamente, retornando para seu acampamento nos arredores da aldeia, enquanto isso, a festa continua, atravessando toda a madrugada e a manhã seguinte.
O início da segunda noite revelará o último gênero de expressão da cerimônia: agora são as mulheres que entram de forma triunfal na aldeia de posse dos seus instrumentos de trabalho (hoje, facas e facões). Dançam em sentido contrário ao realizado pelos homens e também cantam a canção de ïpari. Então, as mulheres recebem grande quantidade de uma bebida que faz com que elas comecem a pronunciar frases que segundo eles englobam o conjunto de toda cerimônia.
Daquele poste pelado, que então sobre o topo carrega o crânio decorado de um inimigo morto, contra o qual já tinham roçado a pelve, agora tomam as mulheres um filho. A frase que elas pronunciam depois de ingerirem a bebida é: “estou bebendo um filho...bebo um recém-nascido...” A cerimônia trata mesmo de trazer filhos aos Arara, pois na cosmologia dos Arara, a lama que se cimentou o poste é o sêmen de ïpari, a parte da casca que sobra do tronco depois de esfolado é seu pelo, esses pelos são da cabeça de uma criança que emana do sola, e como do solo que os vegetais extraem as substâncias que através das bebidas, serão transformadas em sêmen, que será transformado em gente.  
Associa-se, portanto, àquele tronco elaborado a partir dos troféus humanos um vasto conjunto de temas: a cerimônia do poste ïpari, a grande reunião em torno do crânio de um inimigo sacrificado, combina a morte e o esquartejamento do inimigo à produção e reprodução do mundo Arara, através da caça, das bebidas, das parcerias, dos troféus humanos, da relação entre afins, etc.
Segundo Teixeira-Pinto, ïpari expressa uma concepção e um estilo de vida que organizam as representações sobre o cosmos e a sociedade e encontram sua expressão mais fina e acabada no conjunto de valores que circunscrevem e definem o poste ritual, em torno do qual se consolida a oportunidade de celebrar Ieipari  .
Quanto às notícias mais notórias que foram publicadas sobre os Arara, aquelas referentes às mortes de pessoas envolvidas com a construção da rodovia Transamazônica, que, na ocasião,  classificaram os Arara como violentos e brutais, se faz necessário esclarecer que, na realidade, o que aconteceu foi uma inversão: foi ao homem branco que se concedeu um lugar no espaço semântico circunscrito pela categoria ïpari, cujo escopo era o tronco ritual, revivido. Não é o poste que se torna como equivalente ao branco, mas o branco que foi introduzido ao tema central do rito Ieipari.

Em resumo, o tronco cerimonial de ïpari é emblema desta vida porque além de exibir ali o princípio do mundo, quer trazer filhos, fazer gente, pois é preciso fazer mais gente para fazer crescer aqueles que os Arara deixam no chão, para que o povo das araras (os Arara), persistam. O abraço apertado das mulheres, o roçar de suas vulvas no tronco pelado sobre o qual jaz uma cabeça humana decepada, é, então, sua maior função expressiva: afirmar o desafio reprodutivo de ter de ser violento para produzir os termos das relações que podem tornar as ações humanas mais generosas e solidárias.
Sem dúvida, a vida indígena parece ser muito diferente da nossa, entretanto somente o é em alguns aspectos. Espero que tenham gostado desta introdução e que essa leitura incentive novas aventuras antropológicas.
Um grande abraço e boas indagações.  
 
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