sexta-feira, 20 de abril de 2012

Resenha de Raça e História, de Claude Lévi-Strauss




   
Lévi-Strauss contra o Racismo 
no contexto de pós 2ª Guerra Mundial.


“Raça e História” é um texto inscrito num contexto de pós 2ª Guerra Mundial, onde a Humanidade estava muito abalada pelo grande número de mortes causadas por diferenças raciais. A UNESCO então solicitou que diversos estudiosos discursassem sobre o tema com o intuito de acabar com o conceito de Raça Humana. Lévi-Strauss constrói esse texto para desarticular o conceito de que haveria uma superioridade entre as raças (brancas, negras e amarelas.) Um problema de cunho teórico trazido pelos Evolucionistas, que na medida em que houve uma ascensão do Nazismo, se tornou de fato um problema para o mundo. Segundo Lévi-Strauss:
[... se tratarmos os diferentes estados em que se encontram as sociedades humanas, tanto antigas como longínquas, como estádios ou etapas de um desenvolvimento único que, partindo do mesmo ponto, deve convergir para o mesmo fim, vemos bem que a diversidade é apenas aparente.] (RAÇA E HISTÓRIA - CLAUDE LÉVI-STRAUSS. P 336)
“Raça e História” representa o posicionamento da classe de antropólogos pelo fim da distinção de raça entre os humanos. Ainda que houvesse uma necessidade de aproveitar a mão de obra de todos para a reconstrução da Europa depois da guerra, inclusive daquelas “raças” ditas inferiores, havia um ideal humanitário na construção dessa teoria. Por isso o texto de Lévi-Strauss é estruturado de forma a atingir todas as pessoas e não apenas os estudiosos das Ciências Sociais.
Para Lévi-Strauss, não faz sentido discutir o sentido da Raça Humana, pois o número das diferenças baseadas em características corporais é muito pequeno quando comparado com as semelhanças genéticas dos indivíduos. Por isso Lévi-Strauss centraliza sua tese no conceito de cultura. Para ele, é a diferença cultural que separa os povos asiáticos dos africanos, por exemplo. Mas mesmo assim, de acordo com os Evolucionistas, haveria povos que seriam mais evoluídos do que outros. Sobre esse ponto, Lévi-Strauss defende uma teoria de cooperação entre as comunidades. Segundo ele não há indícios arqueológicos que comprovem tal superioridade ou inferioridade entre diferentes povos. É muito provável que algum povo que tenha inventado algo significativo, tenha assim o feito pelo contato inter tribal, assim esse contato tenha proporcionando a troca de experiências e a agregação de valores para ambas as tribos. A comodidade de classificar os povos antigos de acordo com a técnica que eles utilizavam como a “era da pedra lascada” ou da “pedra polida”, por exemplo, não é suficiente.
O polir e o lascar a pedra coexistiram, quando a segunda técnica eclipsa completamente a primeira, isto não acontece como o resultado de um progresso técnico espontâneo saído da etapa anterior, mas como uma tentativa para copiar em pedra as armas e os utensílios de metal que possuíam as civilizações mais "avançadas", mas, de fato, contemporâneas dos seus imitadores. Inversamente, a olaria, que se pensava solidária da "idade da pedra polida", está associada ao lascar da pedra em algumas regiões do norte da Europa.
(RAÇA E HISTÓRIA-CLAUDE LÉVI-STRAUSS.     P 341)

Lévi-Strauss cria um modelo teórico político, onde os indivíduos devem se ajudar mutuamente para caminharem mais facilmente na resolução das dificuldades da vida cotidiana. Um modelo onde as culturas devem somar conhecimento. Sem dúvida Lévi-Strauss deseja que esse modelo seja efetivamente colocado em prática por toda a Humanidade.
Para ilustrar esse conceito de cooperação entre os povos, Lévi-Strauss usa o exemplo de dois trens que seguem na mesma direção. Nesse exemplo, por mais que haja uma diferença na velocidade de deslocamento dos trens, um indivíduo que olhe pela janela em direção à outra composição, consegue identificar traços de semelhança e de diferenças de outros integrantes que estejam situados na outra composição e assim consegue somar experiências e valores. Já quando há dois trens trafegando em direções distintas, a velocidade relativa entre os trens não permite que os integrantes façam uma leitura precisa das suas diferenças e semelhanças. Daí a tendência de classificar essa cultura como estacionária em relação a sua.
No seio da teoria de Lévi-Straus está o conceito de diversificação das culturas. Segundo ele há uma necessidade de se perpetuar essa diversidade das culturas. É estar pronto para encarar sem surpresa o que estas novas formas sociais têm a oferecer. Raça e História é, além de um texto antropológico, um trabalho humanitário, fomentado para superar as atrocidades racistas presenciadas durante a 2ª Guerra Mundial, mas que se tornou perene e está presente nos debates até os dias atuais.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Resenha de "Ilhas de História" de Marshall Sahlins.







  Entenda o encontro de Capitão Cook com os Havaianos.



O texto “História e Cultura” faz parte do livro Ilhas de Histórias de Marshall Sahlins. O livro é uma reunião dos ensaios do autor sobre sociedades como o Havaí, Fiji e Nova Zelândia. No capítulo cinco do livro, História e Cultura, o autor retoma a história do encontro do Capitão Cook com o povo havaiano e todas as relações envolvidas nesse contato.
Sahlins pretende resgatar, para a análise cultural, acontecimento, ação, transformação; e inversamente, resgatar para a história, a análise estrutural. Para ele, a palavra estrutura remete a categorias culturais concebidas como uma rede conceitual: um sistema de diferenças e um conjunto de categorias.
 Com a chegada dos barcos ingleses a ilha, instalou-se um intercâmbio satisfatório entre os moradores locais e a tripulação do capitão Cook. É importante ressaltar que nessas trocas, os objetivos eram bem distintos. Como na realidade local o princípio mais importante era a hierarquia existente; é exatamente através dessas trocas que as mulheres buscavam uma mobilidade social dentro daquela estrutura. Fato que se concretizava quando elas mantinham relações sexuais com os tripulantes ingleses que, de acordo com a tradição havaiana, eram de natureza divina. Nesse momento, podemos fazer um link com o texto de Lynn Hunt, pois segundo o autor, no momento em que o capitão Cook chega à ilha ele é classificado como uma forma histórica dentro da realidade mítica local. Representando Lono, o deus da fertilidade, o capitão Cook ocupa um lugar na estrutura existente, a isto o autor chama de signo de posição. Cook já era uma tradição para os havaianos antes mesmo de se tornar um fato. 
           Já no exemplo das relações sexuais entre os tripulantes e as mulheres locais, ocorre um signo em ação: categorias e valores mobilizados de acordo com a situação. Nesse exemplo ocorre uma mudança na estrutura da sociedade. As mulheres que ocupavam categorias subalternas dentro da estrutura local passam a reivindicar seu status de geradoras de filhos de Deuses. Os signos transformam o significado original.  
Na continuação da história, um incidente meteorológico fez com que o barco do capitão Cook se afastasse da ilha durante uma manobra e ao retornar para as proximidades da ilha, o tratamento recebido se transformou completamente. A receptividade encontrada anteriormente fora substituída pela violência e autoridade do chefe maior da tribo, fato que culminou na morte do capitão Cook. Esse incidente resume bem a relação existente entre estrutura e evento. Segundo Hunt, a transformação de uma cultura também é um modo de reprodução dessa cultura. As relações desenvolvidas entre os moradores da ilha e os tripulantes europeus iniciaram uma oposição entre os chefes locais e o povo, o que não estava previsto nas relações tradicionais. Ocorre uma transformação na estrutura local. A estrutura dominante inicial que os chefes distinguiam-se do povo assim como os europeus eram diferentes dos havaianos foi abolida. O contato histórico com os europeus submeteu a relação entre os chefes e o povo a tensões inexistentes e a nova formação de classes passou a desconsiderar os elos de parentesco.
Para Sahlins estrutura e evento estão inseparavelmente ligados, e na medida em que acontecimentos são signos, a história pode ser organizada por estruturas de significado. Como a história transforma essa ordem e de que modo a própria história é ordenada no processo é uma microinvestigação densamente argumentada pelos temas de reprodução e transformação dados por Sahlins.
Segundo Sahlins, os elementos dinâmicos em ação estão presentes em todos os aspectos da experiência humana. Dessa maneira, “Ilhas de História” oferece novas oportunidades de suavizar o materialismo através de perspectivas culturalistas e de fortalecer a abordagem simbólica através da atenção às dificuldades da vida.
A transformação na qual o livro de Sahlins se concentra deriva das perturbações de classe e inovações que Sahlins chama de relações históricas que ao mesmo tempo reproduzem as categorias culturais tradicionais e atribuem-lhes novos valores a partir do contexto usual. Toda transformação estrutural implica reprodução estrutural.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Resenha de “Trabalho de Campo”, de Roberto DaMatta.



Capítulo 3 de Relativizando


A primeira impressão ao ler o referido texto é de satisfação. Somos privilegiados por ter acesso às opiniões desse extraordinário observador que é Roberto DaMatta. Posteriormente, se atendo ao objetivo instrutivo do texto, a leitura transcorre suavemente, principalmente porque grande parte dos exemplos faz parte do nosso cotidiano ou pelo menos do nosso conhecimento brasileiro.
Além disso, DaMatta soube transcrever com precisão e simplicidade uma das maiores questões conflituosas para aqueles que estão tendo o primeiro contato com a Antropologia. O iniciante tem obsessão por saber a teoria mais correta e fica extremamente frustrado e confuso com todas as possibilidades apresentadas pelos principais antropólogos do mundo. Inevitavelmente o aluno se consome na tarefa de descobrir quem está certo? Lévi-Strauss, Geertz, Boas, Malinowski, Evans-Pritchard? Quem? E DaMatta nos tranqüiliza, no momento em que descreve a Antropologia como Una e Múltipla. Una nos objetivos; no respeito por todas as formas de sociabilidade. Múltipla porque não se prende a uma única doutrina social; a uma única teoria que seja considerada a correta. O que nos faz entender que não há um caminho correto e que devemos nos munir de todas as ferramentas disponíveis para desenvolvermos nossa tarefa etnológica.
Ao desenvolver o tema “Trabalho de Campo”, o autor deixa transparecer os muitos momentos de tristeza, de solidão, de dificuldade que acompanham o etnólogo que deixa seu mundo para traz e se entrega em uma viagem profunda a fim de conhecer a coerência interna da vida de outras pessoas em comunidades isoladas, distantes da realidade do próprio antropólogo. Contudo, DaMatta recompensa o candidato à viagem com os prazeres que essa experiência única podem lhe proporcionar. Suas palavras de alegria ao retornar ao seio da sua sociedade são tão românticas que fazem o iniciante se inclinar para tal aventura esquecendo as possíveis dificuldades que surgirão no seu escritório distante.
 Do ponto de vista teórico, a parte do texto que afirma ser necessário transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico como requisito obrigatório ao antropólogo se destacou. E chegando ao final do texto, foi possível perceber a inclinação do autor pela teoria conhecida como “Descrição Densa”, como sendo necessária ao desenvolvimento de um trabalho confiável, pois do contrário, não é possível mostrar os imponderáveis da vida cotidiana da comunidade em estudo.
Para DaMatta, a relação entre o pesquisador e o nativo é a parte mais difícil do trabalho de campo, principalmente porque é um aspecto totalmente humano da atividade e por mais que se tente copiar casos de sucesso, as experiências humanas de relacionamento são sempre uma interrogação.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Resenha do livro “Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”



 Mariátegui:
 Um ícone do Pensamento Social Latino Americano.

José Carlos Mariátegui resume neste livro, sete ensaios que já havia escrito e publicado na revista Amauta, a mais importante da história peruana, sobre alguns aspectos da realidade peruana. Dos sete ensaios, Mariátegui consagrou três ao esquema da evolução econômica, o problema do índio e o problema da terra. Nos quatro restantes, abriu um processo, no sentido jurídico, de iniciar um julgamento da educação publica, da instituição da igreja católica, do centralismo de Lima e da literatura peruana. E o ponto crucial desses sete ensaios é a implacável crítica que Mariátegui faz os dirigentes políticos e aos intelectuais que tinham os olhos voltados para Madri, Paris e Nova York e não entendiam nada do que acontecia no Peru. Nesta resenha, nos dedicaremos aos dois primeiros capítulos da obra: esquema da evolução econômica e o problema do índio.
Mariátegui desenvolve o esquema da evolução econômica em cinco tópicos: a economia colonial, as bases econômicas da republica, o período do guano e do salitre, caráter da nossa economia atual e economia agrária e latifundismo feudal. De acordo com Mariátegui, havia um bem estar na economia peruana antes da chegada dos conquistadores. Segundo ele, há relatos históricos que no império dos Incas as subsistências eram abundantes e o povo crescia em paz, tirando todo proveito social, valorizando o território e construindo caminhos e canais. Entretanto os conquistadores espanhóis destruíram essa formidável máquina de produção. Só se preocuparam em distribuir entre si as terras e os homens que ali habitavam. O império espanhol consistiu apenas em um empreendimento militar e eclesiástico, desembarcaram na colônia apenas os vice-reis, aventureiros e os soldados. A economia colonial consistia quase que exclusivamente na exploração do ouro e da prata peruana.
A segunda fase dessa economia surge com a independência ainda que a economia parecesse dominada por esse processo. Para Mariátegui, as idéias da revolução francesa encontraram um ambiente mais favorável na América do Sul, pois já havia uma burguesia que tinha necessidades e interesses econômicos e que por isso podia ser contagiada pelo ideal revolucionário da burguesia européia. A política da Espanha de monopolizar o comércio nas colônias era um grande obstáculo ao desenvolvimento econômico, mas o próprio impulso natural da colônia desejava emancipar-se do pensamento medieval do rei da Espanha. E assim surgiu o fator histórico da revolução da independência Sul-americana, movida pelos interesses da população criolla e não pelos desejos da população indígena. O império espanhol refluía por repousar em bases militares e políticas e por representar uma economia atrasadas. As colônias tinham apetite por coisas novas e praticas, mas os espanhóis só podiam abastecer suas colônias com cléricos e doutores nobres. Surgiu então um interesse mútuo entre as economias das colônias espanholas e do Ocidente capitalista e tão logo conseguiram a independência essas colônias buscaram no trafego com o capital e a indústria do Ocidente os elementos para o aumento de suas economias. E os países mais favorecidos por esse trafego foram o Brasil e a Argentina, ambos por sua localização privilegiada de maior proximidade com a Europa, enquanto que nas outras regiões da América do Sul o desenvolvimento era impedido pelos resíduos do feudalismo. Assim o processo histórico do Peru inicia uma desvincula ao do processo histórico dos outros povos da América do Sul. O Peru esta muito distante da Europa, por isso, os barcos europeus tinham que fazer longas trajetórias ara alimentar as trocas, dessa maneira o Peru se tornou um comerciante mais próximo do Oriente do que da Europa, e esse comércio se tornou considerável. Mas segundo Mariátegui, o Peru que emergiu da conquista, apoiado na independência, necessitava aqui dos métodos e do jeito de pensar da Europa.
A economia peruana passa por um bom momento após o Descobrimento da riqueza do guano e do salitre, dois nitratos que tem grande aplicação como fertilizantes. Enquanto a Espanha usava a colônia como fonte de ouro e prata, a Inglaterra passou a explorar a região atrás de matérias menos preciosas como o guano e o salitre. A queda no interesse pelo ouro, muito em função da exploração na Califórnia, e a crescente demanda industrial por guano e salitre na região do pacifico, fez a exploração aumentar. Enquanto que para se obter ouro, prata e carvão era necessário se aventurar pelas montanhas do Peru, a obtenção de guano e salitre era bem fácil, sendo em abundância nas regiões costeiras o que fez a exploração desse recurso dominar todas as outras manifestações da vida econômica do pais. O guano e o salitre criaram um comércio ativo com o mundo ocidental numa época em que o Peru, mal situado geograficamente, não dispunha de grandes meios para atrair seu solo às correntes colonizadoras e civilizadoras. Os lucros dessa exploração criaram os primeiros elementos sólidos do capital comercial e bancário. Formou-se no Peru, uma burguesia enraizada e confundida pela estrutura aristocrática, formados por latifundiários que eram forçados a adotar os princípios fundamentais das políticas liberais. Segundo Mariátegui, a exploração desse recurso revelou tragicamente o perigo de uma prosperidade econômica baseada na exploração de recursos naturais por algum estrangeiro. Segundo Mariátegui, se esse período fosse passado de uma forma mais orgânica, pensando nas conseqüências, poderia ter sido mais seguro e as perdas do pós-guerra não teriam provocado um colapso no sistema produtivo.
A derrota na Guerra do Pacifico, significou para a economia peruana a paralisação das nascentes forcas produtivas, a desvalorização da moeda nacional e a ruína do credito externo. As etapas fundamentais desse capítulo em que a economia peruana se organizou lentamente sobre bases menos férteis, porém mais firmes que as do guano e do salitre, podem ser esquematizados por alguns fatos como: o surgimento das indústrias modernas, a formação de um proletariado industrial, o surgimento dos bancos, o aumento do comércio alavancado pela construção do Canal do Panamá, a superação do poder britânico pelo poder estadunidense, pelo desenvolvimento de uma classe capitalista, pela temporária extração da borracha, pela subida dos preços dos produtos peruanos e pela política de empréstimos. Segundo Mariátegui, esses foram os principais aspectos da evolução da economia peruana no período pós-guerra. Lembrando que esse ensaio foi publicado no inicio do século xx, Mariátegui afirma que no Peru coexistem três economias diferentes: feudal, nascido da conquista, na serra alguns indícios da economia comunista indígena e na costa a economia burguesa que dá a impressão de ser uma economia retardada.
E finalizando esse primeiro capítulo, Mariátegui descreve a economia agrária e o latifundismo feudal. Mesmo com o incremento da mineração, o Peru se mantêm como um país agrícola, prova disso é que os índios representam 5/4 da população peruana e a comunidade indígena é essencialmente uma comunidade agricultora tradicional. Confirmando essa informação, tem se que o número de trabalhadores que a mineração emprega representa algo em torno de apenas 28mil funcionários, algo que se repete com a indústria manufatureira. Segundo Mariátegui, a classe latifundiária não conseguiu se transformar em uma burguesia capitalista. A mineração, o comércio e os transportes encontram-se nas mãos de estrangeiros e os latifundiários se contentaram em servir de intermediários. E este sistema econômico que se manteve como uma organização semifeudal, acabou sendo a maior dificuldade para o desenvolvimento do país.
Na costa peruana quase não existe aldeias, porque o feudo ainda subsiste. O balanço de anos de desenvolvimento capitalista se resume em dois fatos notórios: a concentração da indústria açucareira na região em duas grandes centrais, a da Cartavio e a de Casa Grande, ambas estrangeiras; a absorção das empresas nacionais portadas duas empresas; o monopólio do comércio de importação, por essa mesma empresa; a decadência da cidade de Trujillo e a liquidação da maioria das empresas importadoras. No Peru, contra o sentido da emancipação republicana, se encarregou ao espírito do feudo, antítese e negação do espírito do burgo, a criação de uma economia capitalista.
Já no segundo capítulo, Mariátegui desenvolve uma serie de fatos que deixam bem claro sua posição defensora dos índios. Para ele a questão do índio começa no regime de propriedade da terra. Neste ensaio, ele descreve como funcionava efetivamente o feudalismo dos gomonales, que invalidava toda lei de proteção aos índios. O termo gamonalismo não designa apenas uma categoria social e econômica; a dos latifundiários em si, dos grandes proprietários de terras agrícolas, compreende todo um fenômeno de hierarquia de funcionários intermediários, agentes, parasitas, etc, onde o fator hegemonia da grande propriedade semifeudal.
 Esses fazendeiros, latifundiários, não respeitavam as leis e mantinham uma dominação total dos índios, que chegavam a trabalhar gratuitamente e ate em regime de escravidão. Mariátegui usa diversas frases do intelectual Gonzalez Prada, que na literatura peruana foi o precursor da transição do período colonial para o período cosmopolita, sempre engrandecendo a forca do índio, que seria a verdadeira nação peruana. Segundo Prada, nada muda tão radicalmente a psicologia do homem quanto a perda da sua propriedade, e o caráter individualista da legislação da republica favoreceu a absorção da propriedade que era do índio pelos latifundiários. Entretanto Mariátegui ressalta que sem a dissolução do feudo não pode funcionar, em nenhum lugar, os ideais liberais. Contudo, sem a mão de obra dos índios americanos, a arca de tesouro dos espanhóis estaria vazia. Segundo Mariátegui, o problema indígena não é étnico, econômico-social, nem educacional, para ele, a nova colocação consiste em procurar o problema indígena no problema da terra.
Após os conquistadores espanhóis promoverem uma total carnificina das comunidades indígenas que eram em número muito superior do que os invasores, o Vice-reinado se encarregou de manter uma exploração brutal dos índios em função da sua ganância pelos metais e como se sabe, a revolução da independência ao consistiu num movimento indígena. Foi promovida e aproveitada pelos criollos, que aproveitaram o apoio da massa indígena. O programa liberal da independência trazia uma serie de benefícios os índios, entretanto como não houve governante capaz de garantir esses direitos, os benefícios ficaram apenas no papel das leis e não foram colocados em prática. Todas as disposições aparentemente dirigidas para proteger o índio,
não foram capazes de superar o feudalismo latifundiário subsistente ate hoje.  A República que deveria elevar a condição do índio, só fez garantir a ascensão da nova classe dominante que se apropriou sistematicamente das terras dos índios. E para o índio, que sempre manteve uma relação de alma agrária, de profunda adoração a terra, foi um grande golpe. E todas as tentativas de reivindicações por parte dos índios foram respondidas com grande derrame de sangue.
Mariátegui conclui afirmando que a solução para o problema do índio deve ser uma solução social, que tem que ser realizada pelos próprios índios, afinal, eles representam 4/5 da população, segundo ele, é necessário haver maior articulação e união nas lutas em todo o território, não devendo ser lutas regionais, pois uma multidão de mais de 4 milhões de pessoas não pode permanecer dispersas, pois assim, nunca poderão decidir os rumos do seu desenvolvimento.

Resenha de“Observando o Familiar”, de Gilberto Velho.



Gilberto Velho: O Mestre da Antropologia Urbana.




Analisando todos os pontos explicitados por Gilberto Velho, dá para depreender que há pontos positivos e negativos tanto no estudo de sociedades distantes quanto nos estudos de sociedades da qual fazemos parte.
Segundo Velho, se faz necessário, ou no mínimo desejável, manter uma certa distância para garantir uma investigação imparcial da realidade. Dentre outros pontos, ele ressalta a importância do tempo de convivência para poder identificar aspectos menos explícitos da cultura. Segundo ele, o familiar nem sempre é conhecido, mesmo nas grandes metrópoles, há casos que provocam um estranhamento igual, se não maior, do que o estranhamento causado no contato com sociedades exóticas. Estranhamento esse, provocado pelas descontinuidades existentes. Viver em sociedades complexas, hierarquizadas, que organizam e mapeiam as camadas sociais e seus sujeitos com estereótipos, faz o próprio pesquisador considerar sua posição nessa hierarquia pré estabelecida e de senso comum no momento da sua pesquisa.
Mas as dificuldades não se limitam aos estudos urbanos. Olhando pelo lado do pesquisador que deixa o conforto de seu ambiente familiar e se aventura em viagens distantes a fim de obter seu material etnográfico, os empecilhos são grandes também. Uma dessas dificuldades é a de comunicação.
Mas o intuito de Gilberto Velho não é enaltecer as dificuldades do trabalho de campo exótico, tribal, distante. Ele deseja descrever algumas de suas experiências na Antropologia Urbana para facilitar o aprendizado do leitor. Segundo ele, quando se estuda sociedades da qual fazemos parte, a unidade não seria dada pela língua, mas por experiências de classe existentes nessa sociedade – as cultura de classe. Nas sociedades modernas, ao contrário do que acontece nas sociedades tradicionais, o conflito é constante, pois os indivíduos têm interesses distintos e um desejo insaciável de satisfazê-los.
Para Velho, estar familiarizado não significa que conhecemos todos os pontos de vista dos envolvidos, não significa que conhecemos todas as regras da interação praticadas naquele local aparentemente conhecido. O conhecimento do pesquisador pode estar comprometido exatamente pelo conhecimento superficial daquela rotina, de alguns hábitos e estereótipos criados anteriormente aos seus estudos.
Daí a preocupação de relativizar na hora de fazer uma análise e mesmo que algo lhe pareça distante e exótico, o pesquisador deve se livrar do ato quase que instintivo de classificar e julgar de acordo com os seus conceitos prefixados, ou seja, influenciado pela forma que ele foi socializado.
Mas o próprio fato de reconhecer essa dificuldade, de ter ciência dessa limitação, já confirma que o pesquisador está, em princípio, disposto em relativizar e assim poderá obter o conhecimento completo, sem medo de analisar o familiar e obter o desejável resultado imparcial.
Mas Gilberto Velho ressalta que o esforço de entender e registrar o discurso do universo e seu sistema de classificação nem sempre é bem sucedido, principalmente por fazermos julgamentos apressados. Porém, com um tempo maior de observação essas interpretações passam a ser mais coerentes com a realidade das relações existentes naquele local, mas mesmo assim, estarão carregadas da subjetividade do observador.
Além dessa dificuldade de relativizar, estudar o cotidiano urbano implica em submeter suas observações às críticas de outros pesquisadores com uma freqüência muito maior do que quando se realiza estudos em regiões distantes. Quando um antropólogo apresenta uma interpretação sobre uma sociedade complexa contemporânea, como a brasileira, ele está concorrendo com outras interpretações simultâneas. Interpretações artísticas, políticas, de outros profissionais de Ciências Sociais e até do próprio objeto de estudo.
Mesmo com todas essas dificuldades, o trabalho de antropologia urbana se mostra cada vez mais procurado pelos pesquisadores. Muitas vezes objeto de investigação das grandes transformações sociais, mas também, dedicado ao estudo das interações do cotidiano dessa nova sociedade moderna.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Resenha de “Sobre a autoridade etnográfica” de James Clifford.



James Clifford e uma crítica aos atuais modos de etnografia.



Sem dúvida um texto denso e difícil de ser interpretado, ainda que Clifford afirme, já na segunda página, que o texto tem por objetivo traçar a formação e a desintegração da autoridade etnográfica na antropologia social do século XX, o leitor precisa acompanhar o raciocínio do autor até as últimas linhas, pois James Clifford passa boa parte do tempo descrevendo características do trabalho de campo que podem levar o leitor a acreditar que ele esteja valorizando a etnografia.
Clifford demonstra como foi se construindo a noção de autoridade etnográfica, ou seja, o modo como o autor se coloca presente no texto, como ele legitima um discurso sobre a realidade. Trata-se do famoso termo “Eu estive lá”, que dá provas de que o que pesquisador viu e aquilo existe. Nesse sentido, Malinowski, principalmente com o seu trabalho “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” repleto de fotografias é o divisor de águas. Antes dele, o etnógrafo e o antropólogo, aquele que descrevia os costumes e aquele que era construtor de teorias gerais sobre a humanidade, eram personagens distintos.

Segundo Clifford, os atuais estilos de descrição cultural são limitados e estão vivendo importantes metamorfoses. Para ele, o desenvolvimento da ciência etnográfica não pode ser compreendido em separado de um debate político-epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade (concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro). Clifford cita a legitimação do pesquisador de campo profissional, de padrões normativos de pesquisa, de sofisticação científica e da simpatia relativista. Outra questão importante era o domínio da língua nativa, ou apenas a utilização de termos lingüísticos nativos pelo pesquisador na etnografia, onde o domínio da língua não era crucial. Em terceiro lugar, como se uma cultura pudesse ser apreendida apenas pelo que vê o observador treinado, dava-se ênfase ao poder de observação. O trabalho de campo bem-sucedido mobilizava a mais completa variedade de interações, mas uma distinta primazia era dada ao visual: a interpretação dependia da descrição.

Depois disso, Clifford focaliza os modos de autoridade: o experiencial, o interpretativo, o dialógico e o polifônico. O modelo clássico de modo de autoridade seria o experiencial, que é exemplificado com Malinowski, onde se tenta comprovar o “Eu estive lá”. Também se tenta mostrar que uma experiência de campo foi produtiva envolvendo o leitor na complexa subjetividade da observação participante, unindo o leitor e o nativo numa participação textual. 
Sobre o modo de autoridade interpretativo, a crítica principal recai no entendimento de que se possa ver a cultura como um conjunto de textos, a textualização é entendida como pré-requisito para a interpretação. O discurso se transforma num texto, porém, não há como você trazer um discurso para ser interpretado tal qual um texto é lido. “Para ele, a interpretação não é uma interlocução, ela não depende de estar na presença de alguém que fala. Por conseguinte, Clifford destaca que, em última análise, o etnógrafo sempre vai embora, levando com ele textos para posterior interpretação, pois o texto, diferentemente do discurso, pode viajar. Se muito da escrita etnográfica é feita no campo, a real elaboração de uma etnografia é feita em outro lugar.

Somente no final do texto é que se pode perceber que Clifford pretende é afirmar que esses dois modos de autoridade, o experiencial e o interpretativo, estão cedendo lugar a dois outros modos de autoridade. O dialógico e ao polifônico. Segundo ele, o modo de autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais sujeitos conscientes e politicamente significativos. Já o modo de autoridade polifônico, que rompe com as etnografias que pretendem conter uma única voz, geralmente a do etnógrafo, propõe a produção colaborativa do conhecimento etnográfico, dentre elas, citar informantes extensa e regularmente. Mas ainda assim, as citações são sempre colocadas pelo citador e tendem a servir como exemplos ou testemunhos.
Clifford finaliza o raciocínio dizendo que é inevitável romper com a autoridade monológica que as etnografias faziam ao se dirigirem a um único leitor. A multiplicação das leituras possíveis reflete o fato de que a consciência etnográfica não pode mais ser considerada como monopólio de certas culturas apenas do Ocidente, afinal de contas, os antes estudados agora fazem seus próprios estudos. Os trabalhos polifônicos são especialmente abertos a leituras não específicas intencionais e a autoridade polifônica olha com muita simpatia para os textos em língua nativa.

Resenha de “Estratégia de Construção de Uma Hegemonia Sem Limites”




Guerra ao Terrorismo? Será mesmo? A verdade por trás das ações Estadunidenses.

O objetivo do texto de Ana Esther Ceceña é demonstrar que as ações militares praticadas pelos Estados Unidos em nada têm haver com o “slogan” que é amplamente divulgado de “Guerra ao Terrorismo”, e sim, faz parte de um grande planejamento estratégico para consolidar a hegemonia dos Estados Unidos e ampliar seus domínios em territórios de interesse diversos.

Segundo a autora, as ações adotadas após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 são muito profundas para serem encaradas como uma simples reação aos fatos desencadeados pelo ataque terrorista. Assim como as incursões militares na região da Ásia Central não foram totalmente comprovadas, o que se viu foram explicações vazias e poucas provas concretas, nenhum vestígio de armas nucleares ou qualquer outro artifício que trouxesse perigo iminente aos Estadunidenses ou ao mundo.

O que se pode notar de concreto é um processo de convencimento. Trata-se de um método de demonstrar toda sua força, sua robustez, mostrando-se imbatível para os inimigos. Através desse processo de convencimento é que se mantêm sua hegemonia, afastando ao máximo possíveis inimigos que se sentiriam intimidados por essa construção de soberania. Nesse processo de manutenção da hegemonia, a destruição do adversário, transita tanto pelo enfrentamento direto, quanto pelo controle de suas condições de existência e de produção.

No que diz respeito às estratégias, o departamento de Defesa dos Estados Unidos adota uma ação preventiva que supõe que a mínima dissidência é um sinal de perigo e de guerra futura. Para combater os inimigos difusos, torna-se necessário a atuação nas três dimensões: subterrânea, Superficial e espacial, com a pretensão de não dar nenhuma oportunidade do inimigo se organizar ou se planejar silenciosamente. Portanto, a identificação de regiões susceptíveis à insubordinação e às normas internacionais levou os EUA a criar uma divisão do globo em três grandes áreas: o CENTRO, representados pelos países desenvolvidos, o ELO, países que representam áreas de amortecimento dos conflitos e por fim a denominada BRECHA, que são áreas que requerem vigilância constante e agressiva.

O que não se mostra, é que por coincidência ou não, é exatamente nessa região denominada de BRECHA, que estão as maiores ofertas de recursos naturais do planeta. Desde áreas de intensa biodiversidade, até jazidas de água, de petróleo e gás natural. Esse propósito da “dominação do espectro total”, pode ser a marca daquele que será o processo de esvaziamento e desarticulação da hegemonia capitalista. É a maior aposta que qualquer sistema de dominação teria formulado até hoje e os EUA estão dispostos a alcançar esse objetivo.

Por fim, a autora tenta mostrar que as hegemonias são sustentadas por construções mentais e as mentalidades só se transformam em períodos de longa duração. E que é importante saber que este mundo em que se vive, não é o único mundo possível.
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